A Turquia, uma nação que se apresenta ao mundo como moderna e secular, infelizmente tem demonstrado sinais preocupantes de intolerância e repressão religiosa. Embora o governo turco seja signatário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e tenha o direito à liberdade religiosa garantido em sua própria Constituição, na prática, vemos a implementação de uma política que visa suprimir a diversidade religiosa em seu território.
Em um país onde 99% da população se identifica como muçulmana, as comunidades cristãs têm enfrentado pressões ferrenhas: desde entraves burocráticos que dificultam a construção de igrejas até a expulsão arbitrária de ministros religiosos estrangeiros, a prática da fé cristã na Turquia está sob ameaça real. Não se trata de uma perseguição aberta, mas de um labirinto legal e administrativo que, em última análise, torna a prática da fé cristã cada vez mais difícil, ameaçando a própria existência dessas comunidades.
Embora a Constituição turca não reconheça oficialmente uma religião estatal, as políticas governamentais na prática favorecem claramente a maioria muçulmana, em detrimento das minorias religiosas. O dilema enfrentado pela igreja é, em sua essência, um exemplo clássico da perseguição moderna: uma combinação de obstáculos legais, administrativos e sociais que, juntos, formam uma barreira quase intransponível para qualquer minoria religiosa que deseje exercer sua fé livremente.
As comunidades cristãs na Turquia têm enfrentado pressões ferrenhas: desde entraves burocráticos que dificultam a construção de igrejas até a expulsão arbitrária de ministros religiosos estrangeiros
Um exemplo emblemático é a Igreja Protestante de Diyarbakir. Fundada em 2019, a igreja serve a uma congregação composta por mais de 100 fiéis, principalmente protestantes turcos e curdos. Apesar de sua pequena dimensão, o crescimento da comunidade reflete a vitalidade da fé cristã em uma região predominantemente muçulmana. No entanto, essa vitalidade é percebida pelo Estado turco como uma ameaça a ser controlada e eliminada, e não como um direito a ser protegido.
Esta igreja pretende adquirir um terreno, que já está designado para edificações religiosas, mas as autoridades ignoram os pedidos ou se recusam a conceder a permissão necessária para a construção de um novo templo. A justificativa oficial é sempre a mesma: as autoridades afirmam que não têm competência legal para concedê-la. Na prática, essa recusa não é nada mais do que uma estratégia deliberada para impedir a expansão de uma comunidade cristã que não se alinha à religião predominante.
Ou seja, a burocracia estatal funciona como instrumento de opressão. Trata-se de uma manobra sagaz e insidiosa: negar, protelar e burocratizar até que o desgaste vença a vontade dos perseguidos. O Estado turco, ao que parece, aplica uma tática implacável com uma eficiência meticulosa: se não pode destruí-los pela força, destrói-os pela exaustão.
Esse método sórdido reflete uma política de Estado que, embora não oficialmente declarada, se manifesta claramente em ações como a deportação de pastores estrangeiros, a rejeição de pedidos de renovação de vistos para clérigos cristãos, e a negação sistemática de qualquer pedido que possa fortalecer a presença cristã no país.
Desde 2018, pouco menos de 200 ministros protestantes estrangeiros foram expulsos ou impedidos de retornar à Turquia. Esses líderes religiosos, muitos dos quais dedicaram décadas de suas vidas ao serviço das comunidades cristãs na Turquia, são rotulados de “ameaças à segurança nacional” sem qualquer evidência concreta, tornando impossível para seus advogados contestarem eficazmente as decisões nas cortes turcas.
A Alliance Defending Freedom International (ADF International), organização que tem se destacado na defesa da liberdade religiosa em nível global e da qual temos o privilégio de fazer parte como associados aqui no Brasil, está dando suporte ao recurso da Igreja de Diyarbakir contra a decisão judicial que negou seu pedido de utilização do terreno. Kelsey Zorzi, diretora de Advocacy para a Liberdade Religiosa Global da ADF, ressalta que o caso é emblemático: “O que estamos vendo na Turquia é uma demonstração preocupante de discriminação flagrante baseada na fé contra cristãos”. A verdade, contudo, é ainda mais perturbadora.
Não se trata apenas de discriminação; é uma forma de opressão sutil e gradual, em que as barreiras legais são erguidas não para proteger, mas para suprimir, para erradicar qualquer traço de diversidade religiosa. É o que denominamos de “perseguição educada” em nosso curso no Núcleo de Formação da Brasil Paralelo e em nosso livro A contribuição do Cristianismo para a liberdade.
A Turquia usa uma forma de opressão sutil e gradual, em que as barreiras legais são erguidas não para proteger, mas para suprimir, para erradicar qualquer traço de diversidade religiosa
A perseguição educada não é promovida em nome de uma religião rival ou de um fervoroso movimento sectário, mas de um governo que, sob o manto da secularidade, pior que o laicismo francês, implementa sua própria versão de uma teocracia disfarçada. No fundo, o que está em jogo não é apenas o direito de construir uma igreja, mas a própria sobrevivência da liberdade religiosa em uma nação cada vez mais hostil às minorias religiosas, especialmente as cristãs.
Enquanto o governo turco continua a apertar o cerco contra os cristãos, a comunidade internacional deve prestar atenção. A situação em Diyarbakir é um claro indicativo de que a perseguição religiosa não é um problema do passado, nem uma prática restrita ao solo turco, mas uma realidade presente e disseminada. É imperativo, portanto, que essa questão seja trazida à luz, não como um simples problema regional, mas como um sinal de alerta para todos os que prezam pela liberdade.
O que acontece na Turquia hoje reflete um fenômeno global em expansão, em que a expressão religiosa está sendo sistematicamente relegada ao segundo plano, em nome de uma suposta laicidade que, na verdade, é um agressivo laicismo; ou uma teocracia disfarçada, como na Turquia; ou até mesmo uma teocracia woke. Devemos permanecer vigilantes e dispostos a enfrentar qualquer tentativa de suprimir a liberdade em nome da conveniência política ou ideológica.
(Colaborou com esta coluna André Fagundes, doutorando e mestre em Direito pela Universidade de Coimbra, e professor da pós-graduação em Direito Religioso da UniEvangélica/IBDR.)
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