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Nesta quinta-feira, dia 16, chegou ao fim a longa caminhada de André Mendonça rumo ao Supremo Tribunal Federal. Depois de quatro meses de espera pela sabatina, e uma votação tensa em plenário, a suprema corte restabelece seu quórum e a democracia segue coroada (infelizmente não no sentido de João Camillo de Oliveira Torres) com a escolha presidencial confirmada pelo Senado.
O que mais vimos foram sofismas a respeito da laicidade brasileira e dos “riscos” de um ministro que abertamente manifesta sua fé. Adeptos do laicismo (muitos representantes do establishment, na política e na cultura) vociferaram que um religioso na esfera pública cria um clima obscurantista em oposição à “luz” da razão, que deve ser a única guia para escolhas públicas.
As ordens política e religiosa são distintas, estão separadas em esferas próprias de atuação. Cada qual tem instrumentos seus e formas de fazer valer sua vontade, porém com um propósito semelhante, o bem comum
Ou, em outras palavras, podemos dizer que estes meses foram um embate sobre a própria fonte da soberania. Uma espécie de conflito entre o artigo 2.º da Constituição, que afirma categoricamente: “todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”, com afirmações escriturísticas de que “toda autoridade procede de Deus”. Afinal, a soberania é de cima pra baixo ou de baixo pra cima?
Nós, que compreendemos a laicidade brasileira como benevolente e colaborativa, podemos enxergar virtude no fato de que um dos 11 representantes máximos do Poder Judiciário – afinal, o STF não é apenas uma corte constitucional, mas a própria representação deste braço do poder – tenha sua razão iluminada por pressupostos de sua crença.
As ordens política e religiosa são distintas, estão separadas em esferas próprias de atuação. Cada qual tem instrumentos seus e formas de fazer valer sua vontade, porém com um propósito semelhante, o bem comum. E exatamente nisso se dá seu ponto de contato. Nunca de confusão, mas de colaboração. Uma enxerga a outra, honra sua presença e protege seu âmbito de atuação. E parece que todo o contexto desta investidura no cargo mostrou que estamos no caminho certo.
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Ambas as ordens vivem de rituais. O ser humano é litúrgico. A posse perante os ministros do Supremo presentes, mais os poderes Legislativo (com os presidentes da Câmara e do Senado) e Executivo (com o presidente da República), demonstra ali o símbolo vivo de toda uma nação que agora conta com mais um guardião da nossa ordem constitucional. Não era um ato de governo, mas um momento de Estado. Precisamos aprender a diferenciar as coisas, de uma vez por todas. Cerimônia rápida, com poucas autoridades civis e eclesiásticas por conta da pandemia. A soberania de baixo para cima respeitada.
Logo depois, o ministro André Mendonça, agora empossado, toma um ato simbólico. Em vez de ir celebrar sua posse nos tradicionais salões de festas oferecidas por associações de magistrados e afins, vai para a igreja. Aceita o convite de um culto de ação de graças, oferecido pela Assembleia de Deus, Ministério de Madureira. Lá, aproximadamente 2 mil pessoas o aguardam, junto ao presidente Bolsonaro e a primeira-dama, ministros de Estado, pastores de todo o país e lideranças de várias denominações. Resolve, juntamente com sua família, prestar tributo e honra a Quem atribui a soberania do alto.
Um convidado dentre as várias autoridades se destacou ali. O ministro Ricardo Lewandowski, naquele ato representando os colegas da suprema corte, fez companhia ao novo colega, indo ao culto com sua esposa. Ao ser convidado para dar uma palavra de saudação aos presentes, afirma que um homem pautado por pressupostos de fé é alguém que busca viver virtudes. E que isto é muito bom para a vida da nação. Uma simples declaração, com enorme valor.
Foi tudo muito bem nesta posse do “terrivelmente evangélico”. No que tange à soberania de baixo, a Constituição é a bússola; já na soberania de cima, “lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para os meus caminhos”
Entendam: nossa vida é um todo sistêmico. Vemos o mundo e nele atuamos pautados por pressupostos que formam e informam nossa razão. E esta verdade deve ser proclamada sempre, afinal, expressar-se é ecoar nossas convicções. O Ocidente foi construído pelo poder da palavra. As espadas apenas são levantadas quando as palavras perdem seu poder. A democracia é o formato de organização política em que o diálogo é honrado com destaque. E a fé religiosa é uma necessidade e direito humano fundamental.
Sim, foi tudo muito bem nesta posse do “terrivelmente evangélico”. No que tange à soberania de baixo, a Constituição é a bússola; já na soberania de cima, “lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para os meus caminhos”.
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Os colunistas Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina desejam um feliz e abençoado Natal e boas festas de fim de ano a todos os seus leitores. A coluna Crônicas de um Estado laico retorna em meados de janeiro de 2022.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos