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Nord Stream: mistério solucionado ou diversionismo?
| Foto: Nord Stream AG/Divulgação

Devo admitir que no dia 26 de setembro de 2022 achei que a Terceira Guerra Mundial iria começar. Isso porque, sete meses depois do início da atual Guerra na Ucrânia, simplesmente destruíram os gasodutos russo-alemães Nord Stream. Tive a impressão que Putin responderia com armas nucleares táticas e uma ofensiva de larga escala contra a OTAN. Graças a Deus minha impressão estava errada.

Porém, nos dias seguintes, permaneceu a apreensão sobre uma eventual resposta de Moscou. Principalmente quando o ex-presidente russo Dimitri Medvedev afirmou que, diante da afronta, Putin teria legitimidade para responder com a destruição dos cabos submarinos de internet no ocidente. Fiquei com a impressão que eles já possuem essa capacidade. Ainda mais quando lembro do navio espião russo Yantar, que já foi flagrado explorando regiões de cabos submarinos mundo afora, tanto na Europa quanto até mesmo no Brasil, num estranho caso ocorrido no Rio de Janeiro, em 2020, que eu comentei aqui na Gazeta.

Na época da destruição dos gasodutos, alguns responsabilizaram a Ucrânia. Outros culparam o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, que teria agido em conluio com a Noruega e com o serviço de inteligência britânico MI6. Houve até mesmo quem julgasse que a Rússia teria atacado a si mesma, num ato de “bandeira falsa”, com o intuito de acusar os ucranianos pela sabotagem e justificar um endurecimento da ofensiva contra Kiev.

Hoje, porém, parece que a primeira opção está se mostrando a correta. Pelo menos é o que nos faz acreditar uma matéria do Wall Street Journal publicada nesta última quarta-feira. O título é curioso. Traduzido para português, fica assim: “Uma noite bêbada, um iate alugado: a verdadeira história da sabotagem do gasoduto Nord Stream”. Segundo o jornal, a ação teria sido autorizada pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, que chegou a tentar, sem sucesso, interromper a missão quando a CIA descobriu o plano e ordenou o cancelamento. O plano teria sido coordenado pelo então comandante-chefe do Exército ucraniano, Valery Zaloujny. As revelações chegam ao mesmo tempo em que a justiça alemã emitiu um mandado de prisão contra um mergulhador profissional ucraniano que teria colocado as bombas que destruíram os gasodutos.

O planejamento teria sido realizado durante  uma reunião para celebrar a resistência ucraniana contra a invasão russa. Nela estavam presentes seis pessoas, entre oficiais do exército e do alto escalão do governo de Kiev, junto a líderes empresariais. A operação teria custado US$ 300 mil, com financiamento totalmente privado. Como era de se esperar, tanto Zelensky, quanto Zaloujny negaram as acusações.

O estranho nisso tudo é que, se realmente as informações são verídicas, tanto a Alemanha, quanto os EUA estariam, conforme interpretação do jornalista Thomas Fazi, enviando bilhões de dólares e equipamentos bélicos para um país que teria realizado o mais escandaloso ato de terrorismo industrial da história contra a própria Alemanha (que era parceira no projeto do gasoduto), numa ação que resultou em enorme prejuízo econômico para o país. Ou seja, uma grande contradição.

O gás natural desempenha papel fundamental nos estranhos desdobramentos da geopolítica internacional

Aqui entre nós: ainda tenho minhas dúvidas se a versão revelada pelos alemães e pelo Wall Street Journal é fidedigna. Porém, a polêmica nos leva a repensar o valor que a disputa pelo gás natural representa não apenas para o conflito na Ucrânia, mas também na atual guerra entre Israel e Hamas. Para isso, gostaria de apresentar uma linha do tempo para sua reflexão:

Ano 2000: Descoberta da “Gaza Marine” (Marinha de Gaza). Trata-se de um campo de 1 trilhão de pés cúbicos (28,32 km3) de gás natural, localizado a 36 quilômetros do litoral de Gaza, situado a uma profundidade de 610 m. O campo foi descoberto pela extinta multinacional britânica BG Group.

24 de fevereiro de 2022: Início do conflito em Kiev que levou Putin a perder o “alvará” para vender gás para a Europa por meio dos gasodutos Nord Stream.

15 de junho 2022: Acordo de gás natural Egito-Israel-União Europeia. Seriam estes os substitutos do Nord Stream no fornecimento de gás natural para a Europa? Segundo o acordo, o gás seria extraído da Marinha de Gaza, refinado no Egito e transportado de navio para a Europa. Mas, para a operação ser viabilizada, a Faixa de Gaza precisaria ser “pacificada”.

26 de setembro de 2022 - Destruição dos gasodutos Nord Stream, o que garantiu que Moscou definitivamente não conseguiria se consolidar como o maior exportador de gás para a Europa.

18 de junho de 2023 - O governo israelense concedeu aprovação preliminar para a exploração da Marinha da Gaza.

10 setembro de 2023 - Estabelecimento do acordo econômico IMEC (India-Middle East-Europe Economic Corridor). O objetivo é integrar a Índia com a Europa, passando pelos Emirados Árabes, Arábia Saudita, Grécia e Israel. O projeto tem como objetivo competir com a “nova rota da seda” chinesa, estabelecer um novo corredor econômico em substituição ao Canal do Suez (que hoje está quase intransitável devido aos ataques dos Houthis, no Iêmen) e criar um “novo mapa do Oriente Médio”.

20 de setembro de 2023 - O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu visita o presidente americano Joe Biden, na Casa Branca, para apresentar o projeto IMEC, reforçando a necessidade de combater o Irã (que possui a segunda maior reserva de gás natural do mundo) e de criar este “novo mapa do Oriente Médio”.

22 de setembro de 2023 - Benjamin Netanyahu discursa na Assembleia Geral ONU, em Nova York. Ele mostra o “novo mapa do Oriente Médio”, e causa revolta na plateia, que o acusa de não ter colocado na imagem a Faixa de Gaza e a Cisjordânia.

7 de outubro de 2023 - Ataque do Hamas contra Israel, com a operação Operation Al-Aqsa Flood (“Inundação de Al-Aqsa”). O nome veio dos eventos chamados de “confrontos de Al-Aqsa”, iniciados em abril de 2023. Alegando que grupos judaicos teriam a intenção de sacrificar uma cabra, no complexo da Mesquista de Al-Aqsa. Palestinos se “barricaram” dentro do templo, o que conduziu um confronto com a polícia israelense, levando à prisão de cerca de 400 pessoas.

8 de outubro de 2023: Israel inicia a Operação Swords of Iron (Espadas de Ferro), com o objetivo de recuperar os reféns levados pelo Hamas e “pacificar” a Faixa de Gaza.

Conclusão: o gás natural desempenha papel fundamental nos estranhos desdobramentos da geopolítica internacional. Resta saber como essa luta irá terminar.

Conteúdo editado por:Liana Nunes
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