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Daniel Lopez

Daniel Lopez

Jornalista e teólogo, autor de ‘Manual de Sobrevivência do Conservador no Séc. XXI’. É doutor em linguística pela UFF

Geopolítica subaquática

O Vulcão, a Internet e o Caos

Navio russo Yantar, que vive "bisbilhotando" cabos submarinos de internet (Foto: Andrey Luzik)

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A recente erupção vulcânica na ilha de Tonga trouxe à tona questões urgentes relacionadas ao mundo da segurança cibernética. Parentes mundo afora estão desesperados em busca de notícias, uma vez que a explosão derrubou a rede local de comunicação. Segundo especialistas, o apagão pode durar semanas, devido à suspeita de que cabos subaquáticos que trazem internet ao país podem ter sido rompidos, deixado quase 100 mil pessoas incomunicáveis.

A Southern Cross Cable Network, empresa responsável pelo serviço de internet na região, afirmou que o serviço pode demorar até duas semanas para ser restabelecido. O cabo possui uma extensão de 872 quilômetros, ligando Tonga ao arquipélago de Fiji e seguindo de lá para o restante do planeta. Em 2019, o país chegou a ficar duas semanas sem internet e telefone, em virtude do rompimento do cabo subaquático devido a uma âncora de um navio. Na ocasião, foi acionado um serviço local de transmissão por satélite, que impediu a comunicação com o exterior de ser perdida por completo.

No cenário atual de Guerra Fria 2.0, e do florescimento de ataques hacker, precisamos estar cada vez mais preparados para um eventual apagão da internet. Este é o alerta que o Fórum Econômico Mundial (FEM) tem feito atualmente, defendendo que a próxima pandemia será de natureza cibernética, com ataques de ativistas digitais derrubando a comunicação mundo afora. Como já abordado aqui, o FEM chegou a realizar uma conferência online chamada “Cyber Polygon”, quando estudaram ações para prevenir e lidar com um eventual derrubada da internet.

Problema semelhante aconteceu durante a recente crise no Cazaquistão. Na tentativa de conter as mobilizações online dos manifestantes que reclamavam do aumento gás natural, o governo decidiu adotar uma medida extrema: desligar a internet no país, o que acabou trazendo grandes problemas, também, para o bitcoin. Depois que a China decidiu proibir a mineração da criptomoeda, grande parte das mineradoras se deslocaram para o Cazaquistão, onde a energia, sendo barata, favorece em muito a atividade. Temos, aqui, mais um caso de uma população que, recentemente, se viu sem internet.

Há riscos de acontecer um apagão desses aqui em nosso país? Difícil responder, mas creio que muitos já perceberam que o Brasil está enfrentando um claro ataque cibernético. Nas últimas semanas, uma série de empresas públicas e privadas foram hackeadas, saindo o ar ou tendo grande parte de seu banco de dados comprometido. Em artigo recente, comentei sobre a queda do Conect SUS e do sistema interno da PF e PRF, assim como a invasão à plataforma da CGU (Controladoria-Geral da União) e da Escola Virtual, vinculada ao Ministério da Economia, do Instituto Federal do Paraná e da Universidade Federal do Paraná. As prefeituras de Santa Catarina, São Paulo e Mato Grosso também tiveram seus sistemas invadidos, assim como os Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e do Amazonas. Empresas como o grupo Fleury e JBS também foram alvos. Creio que não seja mera coincidência ou fato isolado.

Há outro elemento de preocupação para a segurança de nossa rede, e nossos dados. Após as sinalizações brasileiras favoráveis à Rússia, o Brasil se colocou em meio a uma disputa geopolítica. Depois da visita do chanceler brasileiro a Moscou e do anúncio do presidente de que visitaria Putin no início deste ano, o Secretário de Estado americano ligou para nosso Ministro das Relações Exteriores o cobrando por essa aproximação com os russos. No meio deste cenário, o portal DefesaNet afirmou que aumentaram as espionagens em Brasília nos últimos dias. Quando li essa informação, veio à minha mente a ocasião em que um navio russo espião foi encontrado perto do litoral Fluminense exatamente no local onde estão nossos cabos subaquáticos de internet.

No dia 10 de fevereiro de 2020, o Centro Integrado de Segurança Marítima do Rio de Janeiro detectou que o navio russo Yantar estava na Zona Econômica Exclusiva (ZEE) brasileira. Foi feito um primeiro contato. Porém, logo em seguida, a embarcação desapareceu dos radares. Segundo especialistas, eles podem ter desligado propositalmente seu sistema de localização. Depois de quase uma semana desaparecida, a embarcação foi localizada apenas no dia 16, a cerca de 80 quilômetros das praias fluminenses. O curioso é que o barco estava exatamente na região onde ficam nossos cabos submarinos de internet.

Essa embarcação tem um histórico polêmico. Como sua avançada tecnologia permite rastrear o fundo do mar, o navio tem gerado alertas de segurança por onde quer que passe. Em junho de 2018, quando navegava pelo Canal da Mancha, a Força Aérea do Reino Unido preferiu escoltá-la, devido ao receio de atividade de espionagem. Em novembro de 2019, ao navegar pelo mar do Caribe e próximo à costa dos EUA, eles novamente desligaram o radar. Curiosamente, sempre operando em regiões onde ficam cabos submarinos ao redor do mundo. A desconfiança é que determinados pontos mais frágeis dos cabos pudessem facilitar a interceptação de dados ou que eles fossem cortados, suspendendo o funcionamento da internet em países inteiros. Vide o caso de Tonga após a erupção vulcânica.

A pergunta que fica é: se optarmos por apoiar os EUA no Conselho de Segurança da ONU, votando a favor de Washington quanto à questão da Ucrânia, nos tornaríamos alvo de ofensivas cibernéticas por parte dos russos? Só o tempo vai dizer. Contudo, como especialistas acreditam que ainda em janeiro deste ano pode haver alguma deflagração em território ucraniano, a definição pode vir antes do que imaginávamos.

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