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“Eles ficaram abraçados por muito tempo, sem acreditar que finalmente estavam juntos.” Depois, “tomaram café em um momento de muitos risos”, contou a irmã de Débora Rodrigues, a “golpista do batom”, sobre o emocionante reencontro de uma mãe, afastada ilegalmente de seus filhos pequenos por dois anos. O mais velho, Caio, tem 10 anos, e Rafael, 8. Ou seja, tinham apenas 8 e 6 anos quando foram separados da mãe.
Ainda segundo ela, os sobrinhos brincaram e pularam no colo da mãe, voltaram a “dormir agarradinhos” com Débora, que pôde ajudá-los com a lição de casa, revisar as mochilas, preparar o lanche e se despedir ao irem para a escola. “Parecem tarefas tão pequenas, mas significam muito para mãe e filhos.”
A prisão domiciliar de Débora, com todas essas medidas de força, parece não ter objetivado promover justiça, mas sim enfraquecer, isolar e amordaçar um símbolo. A luta contra os abusos judiciais não pode arrefecer
Quem acha que o sofrimento de Débora Rodrigues acabou, está enganado. Débora voltou para casa, mas Alexandre de Moraes praticou novos abusos contra ela, determinando uma série de medidas arbitrárias na decisão que converteu sua prisão preventiva em prisão domiciliar. Elas não encontram nenhuma justificativa lógica ou jurídica, fazendo questionar o nível de sadismo, perversidade ou espírito de vingança do Supremo.
As medidas de força, coercitivas, são “cautelares”, porque objetivam aplicar alguma cautela, prevenir algum problema. A primeira cautelar é o uso de tornozeleira eletrônica – instrumento que deveria ser reservado a presos perigosos, que já tentaram fugir da Justiça ou que cumprem pena definitiva. Considerando que Débora Rodrigues tem filhos pequenos, raízes familiares no Brasil e nenhum recurso para uma fuga cinematográfica, a medida parece servir mais para humilhá-la e controlá-la do que por necessidade real.
A segunda cautelar foi a proibição do uso de redes sociais, algo que desafia a lógica para qualquer jurista honesto. Ao impor essa restrição, Moraes assassinou a persona digital de Débora, excluindo-a da praça pública onde são debatidas as questões fundamentais da sociedade: as redes sociais. Elas são, hoje, uma das principais ferramentas de exercício da liberdade de expressão – direito negado a Débora, assim como tem sido negado a outros nomes como Monark, Luciano Hang, Rodrigo Constantino, Paulo Figueiredo e centenas de outros, ao menos desde 2019. O que parece que Moraes realmente quer é calar Débora Rodrigues e controlar a narrativa.
A terceira cautelar foi a proibição de comunicação com os demais envolvidos, por qualquer meio. Mas... quais envolvidos, exatamente? Débora estava em contato com algum general? Com membros do alto escalão das Forças Armadas? Algum “kid preto”, talvez? Não. No voto em que a condenou a 14 anos de prisão, o próprio Moraes reconheceu que não havia nenhuma prova no celular de Débora Rodrigues de que ela estivesse organizando ou articulando ações com outros manifestantes do 8 de janeiro. E usou essa ausência de provas como argumento para agravar a pena, afirmando que o fato de não haver provas revelava seu “desprezo pela Justiça” - hã?
A quarta cautelar é simplesmente revoltante: a proibição de conceder entrevistas a qualquer meio de comunicação – jornais, revistas, portais, blogs, podcasts, nacionais ou internacionais – salvo mediante autorização expressa do próprio STF. Em outras palavras, Débora foi censurada, como tantos outros. Filipe Martins e a Folha de S. Paulo, inclusive, também estão censurados até hoje, impedidos de publicar uma reportagem sobre os dias de sofrimento de Martins na prisão.
Aqui, mais uma vez, os dois pesos e duas medidas do STF ficam evidentes: o mesmo tribunal já decidiu que presos têm direito de se comunicar com o mundo externo, seja por cartas ou entrevistas. Esse direito foi reconhecido, por exemplo, quando o próprio Lula, ainda preso na Lava Jato, pediu e conseguiu autorização para dar entrevista à Folha de S. Paulo, diretamente da Polícia Federal em Curitiba. Agora, esse mesmo direito é negado a Débora Rodrigues, a Filipe Martins e a outros réus do 8 de janeiro.
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A quinta e última cautelar talvez seja a mais dolorosa: a proibição de receber qualquer visita, exceto de seus advogados, pais e irmãos. Nem mesmo o pastor de Débora pode ir à sua casa levar uma palavra de conforto e refrigério espiritual – a menos que Moraes permita. Isso significa que Débora está impedida até mesmo de exercer plenamente sua liberdade religiosa, que não se limita à vida privada, mas também à vivência comunitária e à comunhão com outros membros de sua fé. Isso também a priva de exercer a sua profissão, como se o Estado pudesse obrigar a pessoa a viver de sustento alheio. E, caso descumpra qualquer uma dessas medidas, voltará imediatamente para a cadeia.
Débora Rodrigues havia se transformado num símbolo da luta contra o arbítrio judicial. É ótimo que esteja novamente em casa, cercada pelos braços amorosos de seus filhos, marido, irmãos e mãe. Contudo, a prisão domiciliar de Débora, com todas essas medidas de força, parece não ter objetivado promover justiça, mas sim enfraquecer, isolar e amordaçar um símbolo. A luta contra os abusos judiciais não pode arrefecer.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos




