
Ouça este conteúdo
Acabou: o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, certificou o trânsito em julgado da ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e determinou imediatamente o início do cumprimento da pena, escolhendo, ele próprio, o local onde o ex-presidente deve começar a cumprir os 27 anos e 3 meses de prisão.
Tudo isso num movimento que atropela prazos, ignora possibilidades recursais e reforça a percepção de que, no Brasil de hoje, a lei mudou de nome: ela agora se chama vontade. Contudo, não é a vontade de qualquer um, e sim a do “salvador da democracia”, Alexandre de Moraes, um ser supremo, infalível e incriticável.
O que aconteceu no processo é, no mínimo, espantoso. A defesa de Bolsonaro tinha diante de si duas vias processuais legítimas: apresentar os segundos embargos de declaração ou interpor embargos infringentes. Só que os prazos não conversavam entre si, e qualquer das escolhas poderia ser usada como justificativa para Moraes liquidar a discussão.
Se a defesa optasse pelos segundos embargos, com prazo de 5 dias, que venceu na noite da última segunda-feira, Moraes poderia classificar o ato como manobra protelatória e simplesmente declarar iniciada a execução da pena, impedindo, na prática, que os embargos infringentes fossem apresentados. Alguém tem dúvidas de que Moraes faria isso?
Por outro lado, se a defesa não apresentasse os segundos embargos de declaração, poderia apresentar embargos infringentes, que têm prazo de 15 dias, até o dia 3 de dezembro. Os embargos infringentes, uma vez aceitos, têm uma chance real de gerar uma rediscussão do caso, e foi por isso que a defesa adotou esta segunda estratégia.
Contudo, o que Moraes fez? Decorrido o prazo dos embargos de declaração e antes de decorrido o prazo dos embargos infringentes, Moraes declarou que acabou o jogo. Negou, de saída, a existência de direito aos infringentes, alegando que só caberiam se houvesse pelo menos dois votos divergentes e, no caso Bolsonaro, só havia um, o de Fux.
Resultado: trânsito em julgado imediato, independentemente da publicação do acórdão, como ele próprio escreveu na decisão. E, em seguida, a ordem de início da execução penal. É difícil encontrar paralelo, no devido processo legal brasileiro, para algo assim, sobretudo em se tratando de um ex-presidente da República.
A decisão tem dois problemas: suprimiu a discussão sobre o cabimento dos embargos infringentes, porque a tese de que cabem mesmo com um único voto divergente na turma é plausível. Além disso, suprimiu o direito humano, previsto no Pacto de San José da Costa Rica, ao duplo grau de jurisdição.
Mas nada supera a surpresa seguinte: o local escolhido para o cumprimento da pena. Moraes determinou que Bolsonaro inicie a execução na Polícia Federal (PF), em sala de Estado-Maior, a mesma onde ele permaneceu preso preventivamente. Contudo, a decisão é ilegal porque, sendo Bolsonaro militar da reserva, ele tem direito, previsto no Estatuto dos Militares, de cumprir pena em estabelecimento militar.
O que mais surpreendeu foi que o direito foi negado, aparentemente, a pedido do próprio comandante do Exército. Segundo reportagem da Veja, o comandante afirmou que “o Exército não deseja Bolsonaro em um quartel” e que sua presença seria “simbolicamente desastrosa”. Em outras palavras: um direito previsto em lei foi afastado por conveniência política.
A comparação que inevitavelmente surge é com Lula, em 2018, que também cumpriu pena em sala de Estado-Maior da PF em Curitiba. E, por esse aspecto, a PF seria uma escolha de isonomia. Mas a diferença fundamental é que, no caso de Lula, o Exército jamais se posicionou para impedir que ele exercesse um direito. No caso de Bolsonaro, a pressão militar serviu como escudo para retirar dele um direito.
O quadro geral é de um país onde o processo penal perdeu forma, limites e previsibilidade quando é exercido contra inimigos. O devido processo legal foi substituído pelo processo conforme a vontade do relator. Direito virou arma. Não é nem questão de interpretação. É pura arbitrariedade. Que mensagem isso envia para o Brasil?
A vontade, quando veste toga, vira poder absoluto. O Brasil banalizou a arbitrariedade e o abuso judicial. Moraes liquidou




