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Deltan Dallagnol

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Justiça, política e fé

TCU

Lava Jato deu dinheiro para a Transparência Internacional? Mais uma narrativa enterrada

Fachada Tribunal de Contas da União - TCU
(Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

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Nesta semana, mais um órgão público jogou uma pá de cal em uma das mais antigas e sórdidas narrativas — ou melhor dizendo, teorias da conspiração — sobre a Operação Lava Jato: a de que procuradores da força-tarefa teriam atuado para direcionar recursos bilionários, obtidos por meio de acordos de colaboração e delação premiada, para a ONG Transparência Internacional. Essa mentira surgiu a partir de uma denúncia do ex-presidente do PT e deputado federal Rui Falcão, mas foi rapidamente adotada não apenas por corruptos, pelo PT e pela esquerda, mas também pelo centrão, por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e pelos advogados do Prerrogativas. Até mesmo algumas pessoas que se dizem de direita ajudaram a espalhar essa mentira.

A narrativa conspiratória não se limitava a alegar que a Lava Jato teria enviado recursos para a Transparência Internacional administrar. Ia além: sustentava que agentes públicos que combateram a corrupção durante anos, como eu, o ex-juiz e atual senador Sergio Moro e a juíza Gabriela Hardt, pretendiam desviar mais de R$ 2,5 bilhões da Petrobras — uma ideia tão absurda que beira o delírio psiquiátrico. Essa insanidade surgiu pela primeira vez em um relatório produzido pelo então corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luís Felipe Salomão. Como amplamente noticiado na imprensa, Salomão ambiciona uma vaga no Supremo, e a peça de ficção contra a Lava Jato seria uma forma de atrair a atenção de Lula, que busca vingança contra a operação.

Pois bem, o caso chegou ao STF e caiu nas mãos de ninguém menos que Dias Toffoli — o ministro internacionalmente conhecido como the friend of my father’s friend, ou "o amigo do amigo do meu pai", como revelou a revista Crusoé em 2019, episódio que lhe rendeu uma ordem ilegal de censura por Alexandre de Moraes. O tema voltou aos holofotes devido à visita ao Brasil do relator especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Pedro Vaca Villarreal, que atualmente investiga denúncias de violações à liberdade de expressão no país.

Ao receber a denúncia fajuta de Rui Falcão, Toffoli partiu para cima da Transparência Internacional, que, coincidentemente, ou não tanto, havia criticado duramente o ministro pouco tempo antes por suas decisões que suspenderam as multas bilionárias dos acordos de leniência da Odebrecht e da J&F. Determinado a encontrar qualquer fiapo de prova que confirmasse um suposto desvio de bilhões para a Transparência Internacional, Toffoli ignorou completamente o fato de que nenhum dos investigados tinha foro privilegiado. Realmente, por que o caso estava em seu gabinete no STF? Ninguém sabia, e Toffoli jamais explicou. No entanto, a Procuradoria-Geral da República (PGR) logo tomou as rédeas da situação e pediu o arquivamento total da investigação.

Na promoção de arquivamento, o PGR Paulo Gonet destacou que o STF não tinha competência para julgar o caso, pois não havia investigados com foro privilegiado. Além disso, afirmou que a apuração deveria ser arquivada porque não existia qualquer prova de irregularidade por parte dos agentes públicos ou da Transparência Internacional — muito menos qualquer crime. Como a PGR é a titular da ação penal e responsável por decidir se oferece ou não uma denúncia formal, isso significava o fim da cruzada de Toffoli contra a Lava Jato. Mas Toffoli não arquivou o caso: maliciosamente, ele enviou a capenga investigação para o Tribunal de Contas da União (TCU) e outros órgãos públicos, em uma tentativa mal disfarçada de criar novos constrangimentos para aqueles que atuaram na Lava Jato.

Realmente, por que o caso estava em seu gabinete no STF? Ninguém sabia, e Toffoli jamais explicou

Agora, veio a porrada do Plenário do TCU, que seguiu integralmente o voto do ministro Walton Alencar Rodrigues. Em sua decisão, ele afirmou categoricamente que não havia “indícios mínimos de irregularidade” na conduta da Transparência Internacional ou da Lava Jato. Além disso, ressaltou que a documentação recebida pelo CNJ — a mesma que nos acusava de desviar mais de R$ 2,5 bilhões — “não apontou outro destino aos recursos arrecadados com a celebração de acordos de colaboração e de leniência que não fosse a Petrobras”. Ou seja, o TCU acaba de colocar um prego no caixão de corruptos, petistas, esquerdistas, advogados do Prerrogativas, ministros do STF, membros do centrão e até de algumas pessoas que se dizem de direita que, sem qualquer base, acusaram falsamente a Lava Jato de desvio de recursos e conluio financeiro com a Transparência Internacional — algo que nunca existiu.

Como Toffoli ainda não deu o braço a torcer e se recusa a arquivar a investigação no STF, o PGR Paulo Gonet anexou a decisão do TCU ao processo e renovou seu pedido de arquivamento. Que essa reviravolta, nada surpreendente para aqueles que trabalharam na Lava Jato com dedicação e compromisso com a justiça, sirva de lição para todos os mentirosos, fraudadores e detratores da operação. Movidos por interesses escusos e inconfessáveis, eles trabalham incansavelmente para destruir nossa reputação e garantir que uma nova Lava Jato jamais aconteça. Temos ouvido de tudo, de xingamentos de Gilmar à alegação de Toffoli de que a Lava Jato seria um “pau de arara do século XXI”. 

Mas, como diz o ditado popular, o tempo é o senhor da razão — e, mais uma vez, o tempo inocentou a Lava Jato, a maior operação de combate à corrupção da história do Brasil. O tempo vem mostrando ainda quem realmente pratica abusos, seja para garantir a impunidade dos corruptos, seja para censurar, prender e condenar indevidamente aqueles que considera seus adversários supremos. E à medida que o tempo passa e algumas verdades vêm à tona, outras nunca se perderam, como a lição de Jesus de que os hipócritas coam uma agulha, enquanto engolem um camelo; apontam um cisco no olho do outro, enquanto têm uma trave no seu. Suprema hipocrisia.

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