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Um famoso político, condenado por crimes graves, descumpriu uma das medidas cautelares estabelecidas pela Justiça para que pudesse sair da cadeia: a obrigação de apresentar-se mensalmente, todo dia 10, ao juiz da Vara de Execuções Penais de seu município. O descumprimento perdurou por vários dias, período em que o político realizava postagens em suas redes sociais mostrando sua rotina — frequentando academia, tomando água de coco na orla do Rio de Janeiro e recomendando filmes e séries da Netflix para seus seguidores. Em razão disso, a Justiça intimou o político a se apresentar, concedendo-lhe um novo prazo para cumprir a medida cautelar. Trata-se de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, condenado a mais de 400 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.
Outro político brasileiro, também do Rio de Janeiro, foi solto pela Justiça em livramento condicional após cumprir vários meses de pena em regime fechado. Sua liberdade foi condicionada a diversas medidas, entre elas o recolhimento à sua residência após as 22 horas. Contudo, ao sofrer uma crise de saúde, deslocou-se a um hospital em busca de atendimento médico emergencial e só retornou à sua casa por volta das 2h da madrugada. Logo em seguida, foi preso novamente pelo juiz responsável pelo caso, que sequer consultou a defesa sobre o motivo do descumprimento. O magistrado duvidou que o político tivesse realmente recebido atendimento médico e determinou que a Polícia Federal (PF) investigasse o caso, colhendo o depoimento de médicos e enfermeiros. O político em questão é Daniel Silveira, ex-deputado federal condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ataques verbais a ministros da corte.
De olhos bem abertos, sem a venda que garantiria a sua imparcialidade, a Justiça brasileira, com uma de suas mãos, protege corruptos com um escudo, ao mesmo tempo em que, com a outra, golpeia a direita com sua espada
Os casos de Sérgio Cabral e Daniel Silveira possuem similaridades evidentes: ambos são políticos condenados que descumpriram medidas cautelares impostas após deixarem a prisão. No entanto, a principal diferença está no tipo de crime que motivou suas condenações. Enquanto Sérgio Cabral confessou a prática de corrupção sistêmica em seus governos – embolsando mais de 300 milhões de reais –, justificando sua conduta como resultado de um “vício”, Daniel Silveira foi condenado por publicações em redes sociais contendo ataques verbais contra ministros do STF, feitas enquanto ainda detinha imunidade parlamentar. O tratamento conferido pela Justiça fluminense a Sérgio Cabral é o padrão adotado no Brasil: investigados ou condenados que descumprem medidas cautelares são primeiramente intimados a justificar suas ações e, havendo uma explicação plausível, o caso é encerrado. Caso contrário, o juiz aplica uma advertência, reservando a prisão para reincidências.
Por outro lado, o caso de Daniel Silveira exemplifica uma postura excepcional e vingativa por parte do STF, especialmente do ministro Alexandre de Moraes, que conduz o processo. Segundo o advogado de Silveira, Paulo Faria, o ex-deputado estava urinando sangue e sentindo fortes dores na região lombar, sintomas típicos de uma crise renal, o que motivou a busca urgente por atendimento médico. Ainda assim, Moraes determinou a prisão sob a justificativa de que Silveira teria ido ao hospital sem autorização judicial, ignorando o contexto de emergência. Moraes, aliás, duvidava que Silveira tivesse sequer recebido atendimento médico, razão pela qual mandou a PF investigar e ouvir médicos e enfermeiros sobre o caso. O ministro só esqueceu que o Código de Ética da Medicina e o art. 207 do Código de Processo Penal proíbem médicos de deporem sobre as condições de seus pacientes, a não ser que sejam desobrigados por estes.
Após a audiência de custódia, Moraes alterou os fundamentos da prisão. Desta vez, a justificativa foi que, ao retornar do hospital, Silveira teria desviado seu trajeto para deixar sua esposa em um condomínio, permanecendo lá por cerca de 20 minutos antes de seguir para sua residência. De acordo com a defesa, o desvio ocorreu por razões práticas: a esposa de Silveira o acompanhou ao hospital porque ele não queria ir sozinho e, na volta, ela retornou ao condomínio onde reside, já que não se sente segura na casa isolada onde o ex-deputado vive. Apesar da explicação ser plausível, Moraes considerou a parada no condomínio como uma "burla" às medidas cautelares, comprovando que o ministro não se preocupa em saber a verdade, mas sim em como pode usar os fatos como pretextos para seus objetivos.
É impossível analisar o caso de Daniel Silveira e não concluir que o STF, na figura de Moraes, trata Silveira como inimigo, alguém a ser punido, humilhado e destruído a todo momento. A postura do STF no caso Silveira, assim como nos casos de Jair Bolsonaro e dos réus do 8 de janeiro, contrasta com a versão leniente e caridosa do STF em processos relacionados à corrupção e a crimes de colarinho branco, como os comprovados pela Lava Jato. Todos os investigados, condenados e presos da Lava Jato estão livres, leves e soltos e puderam passar o Natal com suas famílias, ao contrário de Silveira. O tratamento desigual, de dois pesos e duas medidas, conferido pelo Supremo mostra que não há Estado de Direito, critérios ou regras do jogo aplicadas de maneira igual para todos. Há leniência com os amigos e arbitrariedade e violência institucional contra os inimigos.
Nas duas pontas, a Justiça erra e realiza injustiça. Quanto ao tratamento dado aos corruptos, vale a lição de Ruy Barbosa: "Justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta". Sobre o tratamento dado aos adversários da corte, aplica-se outra frase, a do filósofo romano Cícero: “Justiça extrema é extrema injustiça”. A Justiça tem sido, por meio de uma série de decisões, um poodle para os políticos corruptos e um doberman para manifestantes, jornalistas e políticos da direita. De olhos bem abertos, sem a venda que garantiria a sua imparcialidade, a Justiça brasileira, com uma de suas mãos, protege corruptos com um escudo, ao mesmo tempo em que, com a outra, golpeia a direita com sua espada. O STF se consagra como supremo promotor da injustiça institucionalizada no Brasil.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos