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Em 2021, o Congresso Nacional aprovou a modificação da Lei de Improbidade Administrativa, flexibilizando a punição a maus gestores públicos. O novo texto passou a exigir a comprovação de dolo, ou seja, a intenção de cometer ato ilícito ou causar danos ao erário, para que houvesse uma condenação. A mudança foi defendida com ardor pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e contou com apoio esmagador dos parlamentares do PT e também, veja só, do então presidente Jair Bolsonaro, que sancionou a lei. Na época, Bolsonaro minimizou o impacto que a medida teria nos esforços para combater comportamentos antiéticos na gestão pública: ele garantiu que o projeto não ia "escancarar as portas para a corrupção", só que era preciso "flexibilizar um pouco isso aí". O ex-presidente agora mira a Ficha Limpa.
O resultado de "flexibilizar um pouco isso aí" pode ser comprovado estatisticamente. Segundo o Anuário do Ministério Público Brasil 2024, o número de processos por improbidade administrativa caiu 42% entre 2021, quando a mudança na lei foi sancionada, e 2023. Foram mais de 7.000 processos a menos. Ou seja, como previsto, ficou muito mais difícil para os promotores e procuradores buscar a punição por desvios de dinheiro dos contribuintes e outros atos ilícitos. Isso significa que, nos casos em que a má gestão ocorreu "sem querer", os valores desviados não são devolvidos aos cofres públicos, as multas devidas não são aplicadas e os responsáveis continuam em seus cargos e não perdem seus direitos políticos. É impunidade que chama?
A pergunta que se deve fazer é: a quem interessa flexibilizar a Lei da Ficha Limpa? Ao PT de Lula, ao Centrão de Motta e Davi Alcolumbre, ao PL de Bolsonaro... Mas certamente não à população que está cansada de abusos eleitorais e desvios do dinheiro de seus impostos
Os presidentes do Brasil, do Senado e da Câmara mudaram, mas o bonde da impunidade segue avançando. Agora, o interesse de Bolsonaro em recuperar seu direito de disputar eleições faz com que o parlamento recupere a discussão de uma proposta para esvaziar outra ferramenta essencial para combater a corrupção: a Lei da Ficha Limpa. A proposta do deputado gaúcho Bibo Nunes, do PL, é de reduzir de oito para dois anos o tempo em que um político condenado fica sem poder concorrer a cargos eletivos. A mudança serviria como uma luva para que Bolsonaro, que se tornou inelegível até 2030 devido a condenações na Justiça Eleitoral, possa concorrer em 2026 à presidência.
Hugo Motta, do Republicanos, demonstrou apoio ao afirmar que "oito anos é muito tempo". Muitos parlamentares também concordam: estima-se que cerca de 100 deputados estão enrolados na Justiça e, se condenados, podem se tornar inelegíveis. Se a lei mudar, é só deixar passar uma eleição e concorrer na seguinte, dois ou três anos depois. Uma maravilha.
A proposta, claro, pegou muito mal. Para um grupo político que vive lembrando que Lula foi condenado e depois descondenado por corrupção, chamando-o de ladrão, propor e defender uma mudança na lei que eliminaria mais uma camada de punição a maus políticos, e não falo aqui apenas daqueles que embolsaram dinheiro público, é no mínimo contraditório e difícil de explicar para a base eleitoral que não participa dos esquemas.
Logo surgiram propostas alternativas para que a redução no prazo de inelegibilidade valesse apenas para quem foi condenado por crimes eleitorais, como é o caso de Bolsonaro. Mas aí fica menos fácil conseguir apoio dos parlamentares. No passado, bem que o PT tentou esvaziar essa lei. Agora é o grupo de Bolsonaro que assume essa bandeira. Quem diria.
O argumento que foi levantado é o de que a Lei da Ficha Limpa tem servido para perseguir políticos de direita. A tese não resiste aos números. Nas eleições municipais do ano passado, por exemplo, o PL, partido de Bolsonaro, e o PT, de Lula, quase empataram no número de candidaturas barradas pela Ficha Limpa. Foram 121 candidatos do PL impedidos de se candidatar contra 122 do PT.
A pergunta que se deve fazer é: a quem interessa flexibilizar a Lei da Ficha Limpa? Ao PT de Lula, ao Centrão de Motta e Davi Alcolumbre, ao PL de Bolsonaro... Mas certamente não à população que está cansada de abusos eleitorais e desvios do dinheiro de seus impostos. Está aí o aconteceu com a Lei de Improbidade Administrativa para provar.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos





