Em sua primeira viagem internacional do ano, o presidente Lula desembarcou nesta quarta-feira (14) no Cairo, capital do Egito. Em sua agenda estavam previstas visitas a sítios arqueológicos e a museus, além de uma reunião bilateral com o ditador egípcio Abdel Fattah El-Sisi e uma passadinha na sede da Liga Árabe. Entre os assuntos em pauta, o bom momento nas relações comerciais com o Egito, o agradecimento pela ajuda para liberar a passagem dos brasileiros palestinos em fuga da Faixa de Gaza e, claro, as opiniões do brasileiro em relação à guerra que se desenrola no território palestino. Lula descobrirá, do alto das pirâmides do Egito, que sua voz é ouvida, mas não será levada em conta pelos atores que realmente importam no conflito em Gaza entre Israel e o grupo terrorista Hamas.
A ordem mundial está em transformação e o Brasil tem, atualmente, ainda menos peso diplomático do que há 20 anos, quando Lula esteve pela última vez no Egito como presidente. Uma nova ordem bipolar, com Estados Unidos e China concorrendo por hegemonia, está se consolidando. As guerras que assolam o globo, como a da Ucrânia e a de Gaza, testam as lealdades geopolíticas de um lado e de outro. Ao Brasil, convém a posição de cautela. Mas a diplomacia lulista não se contém e resvala com frequência em declarações do presidente que o colocam em alinhamento com China e Rússia, em oposição às potências ocidentais.
A ordem mundial está em transformação e o Brasil tem, atualmente, ainda menos peso diplomático do que há 20 anos, quando Lula esteve pela última vez no Egito.
Diante do general El-Sisi e dos embaixadores que representam as nações da Liga Árabe, Lula vai se ver tentado a elevar o tom contra Israel por causa do conflito em Gaza. A mesma coisa na continuação da viagem, quando participará da reunião de cúpula da União Africana, na Etiópia. A defesa de uma solução para o conflito em Israel que passe pela criação de um estado palestino é esperada, pois essa é também a posição da maior parte da comunidade internacional (inclusive dos Estados Unidos). Mas a possibilidade de que Israel comece, nos próximos dias ou nas próximas semanas, uma incursão por terra no sul de Gaza, onde estão concentrados os palestinos que nos últimos meses fugiram dos combates no norte, instiga Lula a deixar a cautela e a ponderação de lado.
Os embaixadores árabes vão gostar, mas as palavras de Lula terão impacto nulo sobre as negociações por um cessar-fogo que interrompa o desastre humanitário entre os palestinos e que obrigue o Hamas a libertar os reféns israelenses que covardemente sequestrou e mantém em seu poder.
As coisas por lá são mais complexas do que se costuma pensar e com raízes históricas profundas, descobrirá Lula ao lado da primeira-dama Janja enquanto observa as múmias do Grande Museu Egípcio. As nações árabes, incluindo o Egito, sabem que uma invasão terrestre do sul de Gaza tem potencial desastroso para a população palestina, que simplesmente não tem mais para onde fugir. Mas isso também acontece porque o Egito não aceita abrir a fronteira para a entrada dos refugiados palestinos de Gaza. E com razões bastante objetivas: além de não querer que o conflito e suas desastrosas consequências sociais e econômicas se espalhem por seu território, o governo de El-Sisi teme a infiltração de radicais islâmicos associados ao Hamas. Foi sob a justificativa de extirpar os fundamentalistas do poder que o general instaurou uma ditadura militar no país.
O que Lula vai propor em relação a esse dilema? Que El-Sisi abra as fronteiras e permita que milhões de palestinos se refugiem em seu território? Pode parecer a solução mais humana, já que Israel não vai abandonar a guerra enquanto não considerar que derrotou o Hamas em Gaza, mas as consequências para o Egito serão permanentes do ponto de vista social e da segurança interna.
Tensões e dilemas como esses estão muito além das capacidades diplomáticas do Brasil. Será que o silêncio das pirâmides e das múmias vão inspirar Lula?
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