O bilionário Elon Musk acusou o ministro do STF Alexandre de Moraes de censura, ameaçou desobedecer ordens judiciais e pediu sua renúncia ou seu impeachment. Moraes respondeu incluindo Musk no inquérito das milícias digitais sob a acusação de um crime que não existe ("dolosa instrumentalização criminosa"), além de mandar a Polícia Federal investigá-lo por obstrução de justiça. O embate entre Musk e Moraes é briga de cachorro grande e não terá vencedor. Nem Musk vai pra Papuda, nem Moraes vai sair de onde está ou deixar de fazer o que Moraes faz como juiz.
Interessante — e desolador — é o que o embate entre Musk e Moraes revela sobre a pobreza do debate público no Brasil, em especial no que se refere à questão da liberdade de expressão. Poucos protagonistas desse debate conseguem evitar uma visão maniqueísta dos desafios impostos pela tentação de censura judicial. Com honradas exceções, quem é de esquerda defende as ações de Moraes como necessárias para "defender a democracia" e "combater a desinformação da extrema direita"; enquanto a direita bolsonarista se apresenta como única e exclusiva vítima da censura e do autoritarismo, omitindo as tentativas reais de seus líderes de romper com as regras da democracia.
O melhor caminho para combater a desinformação ainda é o da informação, ainda que seja o mais trabalhoso e lento.
Um olhar mais cético, independente e ponderado pode ser capaz de reconhecer tanto que as redes sociais se tornaram terreno preferencial do jogo sujo do bolsonarismo, quanto os excessos judiciais que resultaram em censura durante a campanha presidencial e que continuam tolhendo o livre mercado de ideias políticas no país. Com seus abusos, o STF e o TSE deixaram de ser respeitados para ser apenas temidos por uma boa parcela da população.
O melhor caminho para combater a desinformação ainda é o da informação, ainda que seja o mais trabalhoso e lento. Suspender perfis de forma sumária ou proibir conteúdos antecipadamente é censura prévia. Exigir que as plataformas forneçam dados pessoais de usuários sem sequer ter uma justificativa legal é violação do direito à privacidade.
O embate entre Musk e Moraes também incentivou um novo ponto de tensão entre Congresso e STF. No Congresso, isso ocorre em duas frentes. Na primeira, parlamentares de oposição querem dar visibilidade ao caso dos arquivos do Twitter para retomar a tentativa de afastar Alexandre de Moraes do cargo. Isso não vai acontecer, pelo menos não com as atuais lideranças das duas casas legislativas. Na segunda frente, tenta-se recolocar para discussão na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei das Fake News, que já foi aprovado no Senado. O relator na Câmara, deputado Orlando Silva, quer que o assunto seja pautado por Arthur Lira, presidente da casa.
Se não aceitarem discutir uma solução própria para a regulação das redes sociais, os parlamentares vão deixar a questão para o STF legislar.
Apesar de a oposição se opor ao projeto, trata-se de uma forma de tirar a questão da regulação das redes sociais de um limbo jurídico que dá margem a abusos da Justiça como os que vêm sendo denunciados por Musk e pelos jornalistas, inclusive da Gazeta do Povo, que divulgaram os arquivos do Twitter.
O senador Alessandro Vieira, em janeiro deste ano, disse o seguinte sobre o PL das Fake News, do qual é autor: "É uma regulamentação da ferramenta, não do conteúdo, que segue livre como reza a Constituição, vedando o anonimato, vedando contas falsas, vedando impulsionamento não declarado."
Se não aceitarem discutir uma solução própria para a regulação das redes sociais, os parlamentares vão deixar a questão para o STF legislar. E é o que já está prestes a acontecer, ainda mais depois do embate entre Musk e Moraes.
Há duas ações no tribunal sobre o assunto. A regra atual, contida no Marco Civil da Internet, é que as empresas na internet só são responsabilizadas se não cumprirem uma decisão judicial de retirar um conteúdo do ar. Alguns ministros do STF querem instaurar o princípio do "dever de cuidado", que nada mais é do que a obrigação das plataformas de remover por conta própria, de forma preventiva, conteúdos que geram desinformação, discurso de ódio ou ataques à democracia.
Isso, sim, é um perigo, porque cria uma enorme insegurança para as redes sociais, que vão ter que decidir por conta própria o que é fake news, o que é discurso de ódio e o que é ataque à democracia. Obviamente, por medo das consequências, vão pecar pelo excesso de zelo. Isso vai amarrar o discurso público, pois vai restringir não apenas fake news, mas também críticas legítimas. É a censura por atacado.
É preferível que o assunto seja discutido no Congresso, mesmo que a oposição torça o nariz para o texto do senador Vieira, do que deixar para os ministros do STF, que não foram eleitos pelo povo, tomar uma decisão final com repercussão tão séria para o tema da liberdade de expressão no país. O retrospecto não é bom. Recentemente, a corte criou uma jurisprudência que responsabiliza veículos de comunicação por aquilo que seus entrevistados dizem. Um desastre.
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