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Rosângela da Silva, a Janja, representa um problema sério para o governo brasileiro porque ela anseia por poder e por atenção. Mas ela se esquece, ou finge se esquecer, que primeira-dama não é um cargo eletivo. Ela não foi eleita para o posto. Ela simplesmente é, ou melhor, está primeira-dama por ser casada com o presidente que, ele sim, foi eleito. Primeira-dama também não pode agir como se fosse uma ministra, porque não pode ser demitida se cometer erros. A não ser que Lula resolva nomeá-la para comandar uma pasta ministerial. Melhor para o Brasil que não, como ficou evidente, mais uma vez, quando Janja deu uma série de declarações polêmicas em um evento pré-cúpula do G20, o grupo dos países mais ricos do mundo, no Rio de Janeiro.
Na ocasião, para recordar àqueles que preferiram se desconectar de seus celulares no fim de semana, Janja xingou o bilionário Elon Musk, gratuitamente, com uma palavra de baixo calão, em inglês. E isso em um contexto em que elogiava o ministro Alexandre de Moraes, do STF, por considerar que ele é um "parceiro" no enfrentamento às fake news. Parceiro? Isso, por si, já é um prato cheio para a oposição, que sempre suspeitou que o ministro todo-poderoso faz o jogo do governo Lula. Mas voltemos a Elon Musk.
O que de fato precisa ser contido, do ponto de vista dos interesses brasileiros, é a ânsia da primeira-dama por atenção e poder. Ela acaba causando um dano tremendo à diplomacia brasileira
O bilionário sul-africano tornou-se, na campanha presidencial americana deste ano, muito próximo de Donald Trump, eleito para uma segunda temporada não consecutiva na Casa Branca. Ele ganhou até uma função em um conselho criado por Trump para desburocratizar a administração pública que ganhou o nome de Departamento de Eficiência Governamental.
Isso, de que primeira-dama não pode agir como se tivesse cargo eletivo ou como se fizesse parte do gabinete ministerial (quando não é), independe de gênero. Vale tanto para mulheres ou homens que são cônjuges de chefes de Estado. A chanceler alemã Angela Merkel, por exemplo, foi uma das líderes mais poderosas do mundo entre 2005 e 2021. Lidou com temas muito sensíveis na diplomacia europeia e mundial. Inclusive, teve que aprender a lidar com o presidente americano Donald Trump em seu primeiro mandato. Imagine se o marido de Merkel, Joachim Sauer, ficasse fazendo discursos antes de reuniões de cúpula do G20 xingando aliados de Trump. Ele não fazia isso, claro. Porque Sauer, químico quântico de profissão, sabia que esse não era o papel de um primeiro-cavalheiro. Ele precisava se manter discreto, não buscar os holofotes do debate público. Pela dupla razão de que ele não foi eleito e, por não ter cargo oficial no governo, não poder ser demitido.
Mas Janja não pensa assim, tanto que reclama por não ter um gabinete próprio. Diz que é um sinal de machismo não ter assessores, verba própria para despachar, para comprar roupas, para mandar cartas. Foi o que ela disse em entrevista à CNN também nesse fim de semana.
O impacto da ofensa de Janja a Musk não pode ser minimizado. A diplomacia brasileira está preparando o terreno para tentar estabelecer, com Trump, uma relação pragmática. Disso dependem interesses do Brasil em diversas áreas, mas principalmente no comércio externo. Trump tem planos de impor tarifas de importação mais altas para produtos de todos os países. E ele tem duas motivações principais para erguer barreiras tarifárias contra os produtos e serviços de exportação de um país específico. A primeira é se os Estados Unidos possuírem déficit na relação comercial com esse pais. Não é o caso do Brasil. Os americanos vendem mais para nós do que nós para eles. A segunda é se Trump enxerga o governo desse país como um adversário. E é isso que o governo Lula precisa evitar, tanto que desde a eleição de Trump ele vem colocando panos quentes e evitando fazer críticas ao presidente eleito. Para defender os interesses brasileiros na relação com os Estados Unidos, o Brasil precisa ficar fora do radar de Trump. Isso significa, antes de qualquer coisa, evitar declarações como as de Janja.
Quando Janja xinga Musk em um evento público, mesmo sem ter cargo no governo, ela passa a ideia de que tem o aval do presidente, seu marido. Dá munição a políticos brasileiros que exercem influência sobre Trump e seu entorno e que defendem, apenas para alavancar seus projetos futuros, que os Estados Unidos adotem medidas retaliatórias contra o Brasil, inclusive sanções econômicas. O propósito é desgastar Lula, mas o efeito será o de prejudicar interesses brasileiros — entre os quais, o mais importante, nossas exportações, que geram riqueza e empregos.
Musk, que leva tudo para o lado pessoal (como Trump, aliás), respondeu, na sua rede social X, à provocação de Janja, sugerindo que ela não dura como primeira-dama para além do atual mandato do marido. "Eles vão perder a próxima eleição", escreveu Musk. A resposta do bilionário também não foi nada "diplomática", digamos assim. Como futuro chefe de uma agência criada por Trump, com um pé na Casa Branca, ele deveria se abster de antecipar preferências políticas em eleições de outros países. O comentário equivale a uma interferência em assuntos internos de uma nação que não é a dele. Fazê-lo como empresário e polemista do X nas horas vagas, tudo bem. Mas como futuro conselheiro do presidente Trump, ainda que um órgão de caráter meramente consultivo, não é adequado. Mas, a essa altura, isso ficou em segundo plano.
O que de fato precisa ser contido, do ponto de vista dos interesses brasileiros, é a ânsia da primeira-dama por atenção e poder. Ela acaba causando um dano tremendo à diplomacia brasileira. E ainda ofuscou os planos de Lula de atrair os holofotes para a agenda positiva que buscava com a programação paralela do G20: a luta contra a fome e contra a desigualdade mundial. Janja roubou a cena, e não foi para o bem.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos