Em meio às inúmeras especulações a respeito da composição ministerial do terceiro mandato de Lula, a se iniciar em janeiro, está a da escolha do próximo chanceler, o responsável por conduzir a política externa do novo governo. A política externa, no Brasil, costuma ser uma das áreas em que as vontades presidenciais se fazem mais presentes, pois nela a participação do Congresso é tradicionalmente menor, às vezes quase inexistente.
Ao longo desta semana saberemos melhor, mas tudo indica que o próximo ministro das Relações Exteriores vai ser um nome do PT ou de alguém próximo politicamente do presidente eleito. Entre as opções aventadas estão Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e candidato derrotado ao governo do estado; o economista Aloizio Mercadante, petista histórico que ocupou três ministérios diferentes nos governos anteriores do partido e que foi um dos conselheiros mais próximos de Lula durante a campanha; e Marina Silva (Rede-SP), deputada federal eleita que foi ministra do Meio Ambiente nos primeiros anos do governo Lula (depois de um período de rompimento, eles reataram recentemente os laços políticos).
Especula-se, portanto, que o cargo não será ocupado por um diplomata de carreira, apesar de o ex-chanceler Celso Amorim, o artífice da política externa nos primeiros governos de Lula, ter sido onipresente na atual campanha petista. Amorim, se de fato não voltar a comandar o Itamaraty, pode se tornar assessor para assuntos internacionais da presidência, no papel que o ideológico Marco Aurélio Garcia desempenhou no passado e que Filipe Martins hoje ocupa no governo de Jair Bolsonaro.
Seja quem for o novo chanceler, uma coisa é certa: a política externa do novo governo será muito diferente da atual. E isso pode ser positivo por um lado e negativo por outros.
O lado positivo é que a política externa em um terceiro mandato de Lula tem potencial para tirar o Brasil do isolamento internacional para o qual foi empurrado no governo Bolsonaro.
Ao contrário da política externa bolsonarista, que rejeitou o sistema de governança global — principalmente nos primeiros anos, quanto esteve sob o comando do ex-chanceler Ernesto Araújo —, a lulista pretende participar ativamente das instituições multilaterais, com o intuito de reformá-las para construir uma ordem multipolar (na qual o Brasil teria um papel de liderança, como um dos polos de poder).
Por um lado, esse propósito da política externa para o terceiro mandato de Lula pode devolver ao Brasil o respeito e a credibilidade conquistados ao longo de décadas de atuação multilateral coerente e consistente do Itamaraty. A expectativa nesse sentido pode ser atestada pelo convite oficial para que Lula, na qualidade de presidente eleito, participe da COP-27, a Conferência do Clima da ONU, iniciada neste domingo (6) no Egito.
Por outro lado, a visão que Lula e Amorim têm de um ordem multipolar tornou-se um tanto quanto obsoleta — se é que algum dia teve lastro na realidade. O que se vislumbra atualmente com cada vez mais clareza é que, em vez um mundo multipolar (ou seja, com vários polos de poder), o que se tem é a consolidação de uma ordem bipolar, marcada pela disputa de hegemonia geopolítica e econômica entre Estados Unidos e China.
Nos governos petistas anteriores, conforme descrevem os pesquisadores Luis Schenoni, Pedro Feliú, Dawisson Belém Lopes e Guilherme Casarões em artigo recente (leia aqui), o mito da multipolaridade levou a uma "superdilatação" da política externa brasileira. Ou seja, ela foi esticada além de sua capacidade. Foi uma estratégia que trouxe custos enormes e insustentáveis para o Brasil, sem uma contrapartida equivalente ou justificável em termos de resultados. O financiamento de obras no exterior, principalmente em países da América Latina, marcadas por corrupção, e a expansão no número de embaixadas são alguns dos exemplos concretos dessa superdilatação.
A julgar por aquilo que está escrito no programa de governo do PT em relação à política externa e pelo que Lula disse em declarações esparsas sobre o assunto na campanha, a estratégia descrita acima será renovada em seu terceiro mandato. Isso pode trazer consequências negativas, principalmente se acarretar custos exorbitantes para os cofres públicos e a reedição dos escândalos de corrupção transnacionais.
O outro ponto negativo de uma reedição da política externa "ativa e altiva" dos primeiros mandatos de Lula é a declarada intenção de se investir em uma aliança de "governos progressistas" da América Latina, no contexto de uma nova "onda vermelha" como a que se viu na região durante cerca de 10 anos, encerrando-se em 2016.
Não há mal nenhum em buscar uma relação mais próxima com os vizinhos latino-americanos. Para ter uma projeção maior no plano internacional, o mínimo que se espera é que o Brasil seja capaz de se destacar como um ator regional relevante.
O problema é o invólucro ideológico desse discurso de aproximação com os vizinhos. O risco é isso justificar mais uma vez, como já ocorreu nos governos anteriores do PT, uma atitude de omissão, em que o Brasil fecha os olhos para abusos contra as liberdades civis e políticas e para medidas autoritárias de governos de esquerda, como os da Nicarágua, da Venezuela e da Bolívia (e de outros que vierem a adotar rumos semelhantes).
Há aspectos promissores dos planos de Lula para a política externa em seu terceiro mandato. Mas é preciso ficar de olho nos excessos e cobrar coerência, principalmente no que se refere à defesa dos valores democráticos — não apenas no Brasil, mas também nos vizinhos latino-americanos.
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