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Diogo Schelp

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Internacional

Por que o autocrata Erdogan pode perder o poder e qual a lição para o Brasil

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O autocrata Recep Erdogan, da Turquia (Foto: EFE)

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Por que nós, brasileiros, devemos nos interessar pelas eleições na Turquia? Primeiro, pelo impacto no tabuleiro diplomático da Guerra na Ucrânia e suas implicações. Segundo, pelas lições no campo econômico. E, terceiro, por tudo o que pode revelar a respeito da resiliência ou da fragilidade de democracias jovens, como a nossa. Afinal, o presidente turco, Recep Erdogan, está há 20 anos no poder e merece o título de autocrata, mas ainda assim corre o risco de perder o poder pela via eleitoral.

Na votação deste domingo (14), Erdogan por pouco não obteve mais da metade dos votos, eliminando a fatura no primeiro turno. De maneira inédita, porém, deverá ir para o segundo turno com o moderado Kemal Kilicdaroglu. A diferença entre os dois foi de menos de 5 pontos percentuais, e a vitória no segundo turno dependerá do destino dos votos recebidos pelo nacionalista de direita Sinan Ogan. Ou pode, também, ser decidida no tapetão por alguma manobra fraudulenta de Erdogan.

O conceito de autoritarismo competitivo foi proposto quase 20 anos atrás para resolver uma lacuna na compreensão de regimes híbridos.

Ou seja, o favoritismo ainda pende para o lado de Erdogan. Permanece, contudo, a pergunta: como alguém que podemos chamar de autocrata pode enfrentar o risco real de ser expelido do poder pela via democrática?

A explicação está no tipo de autocracia que o regime de Erdogan representa. Trata-se do autoritarismo competitivo, que na definição dos cientistas políticos americanos Steven Levitsky e Lucan Ahmad Way é um sistema político em que há a coexistência de instituições democráticas, ainda que frágeis, e disputas eleitorais reais, mas em condições desiguais ou injustas.

Líderes como Vladimir Putin, Hugo Chávez ou Erdogan — cooptam ou corroem as instituições democráticas e os processos eleitorais para agarrar-se ao poder.

O conceito de autoritarismo competitivo foi proposto quase 20 anos atrás para resolver uma lacuna na compreensão de regimes híbridos, ou seja, que não eram democracias plenas e tampouco ditaduras completas. A ciência política considerava que esses regimes estavam em transição para a democracia. Mas Levitsky e Way demonstraram que em muitos casos eles estavam consolidando uma nova forma de sistema autoritário, em que líderes fortes — como o russo Vladimir Putin, o venezuelano Hugo Chávez ou o próprio Erdogan — cooptam ou corroem as instituições democráticas e os processos eleitorais para agarrar-se ao poder e manter as aparências de liberdade política.

Parece uma forma de ditadura perfeita, mas ela tem seus riscos e impõe obrigações ou necessidades. Uma delas é de manter a popularidade em alta. Só prender adversários com acusações judiciais duvidosas (como a de terrorismo), ameaçar jornalistas, estrangular o financiamento de empresas de comunicação, encher o Judiciário com aliados, mudar as leis para permitir reeleições sucessivas e jogar sujo nas eleições, como fez Erdogan tantas vezes, pode não ser o bastante.

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Quando a popularidade se degrada, a derrota pode chegar — afinal, é autoritarismo, mas é competitivo — e a saída para o autocrata pode ser a transição para um regime mais parecido com uma ditadura clássica (como é o caso na Venezuela).

O Brasil tem flertado com tentações autoritárias, tanto à direita, com o governo de Jair Bolsonaro, que incitou o confronto com outros poderes da República, questionou as instituições eleitorais e deixou avenidas abertas para a ruptura institucional via Forças Armadas, enquanto mantinha um discurso de liberdade política, quanto à esquerda, com grupos aliados do presidente Lula ávidos pela construção de um projeto hegemônico e de uma forma de alijar as chances da direita de voltar ao poder.

O Brasil tem flertado com tentações autoritárias, tanto à direita, quanto à esquerda.

A lição que fica para o Brasil é que a opção pelo autoritarismo competitivo é de difícil retorno. E, em algum momento, levará o país ao fracasso, pois a concentração de poder sobe à cabeça e premia a incompetência. Vladimir Putin arrastou seu país para uma guerra sem perspectiva de fim no médio prazo e com duro impacto para a economia popular. O regime venezuelano destruiu a produção nacional, aprofundou a dependência no petróleo e isolou o país de mercados externos, obtendo como resultado prático o empobrecimento da população.

O autocrata Erdogan nomeou um genro inábil para ser ministro da Economia, interveio no banco central turco e forçou a redução artificial da taxa básica de juros. Conquistou com tudo isso uma inflação altíssima, de mais de 80%, no ano passado.

A lição que fica para o Brasil é que a opção pelo autoritarismo competitivo é de difícil retorno.

A briga com as taxas de juros lembra algum presidente latino-americano? Juros altos são muito ruins e dificultam a vida da população e das empresas. Mas inflação elevada talvez cobre um preço ainda mais alto (com o perdão do trocadilho) na forma de baixa popularidade.

Erdogan está sendo punido com o risco de um segundo turno, também por causa da insatisfação popular com a atuação do governo após o terremoto ocorrido no início de fevereiro, que matou mais de 44.000 cidadãos.

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O fim do governo Erdogan, se de fato ocorrer, pode ter impacto concreto nos rumos da Guerra na Ucrânia. A Turquia é um país membro da Otan, a aliança militar ocidental que está no centro das razões que levaram Putin a invadir a Ucrânia. Mas Erdogan também vinha se aproximando diplomaticamente de Moscou nos últimos anos e, assim como China, Índia e Brasil, se recusa a impor sanções à Rússia. E tem barrado a candidatura da Suécia para entrar na Otan, para alegria de Putin.

A posição da Turquia em um eventual novo governo pode se tornar mais favorável aos aliados na Otan, inclusive os Estados Unidos, e à União Europeia, já que o país é formalmente candidato a entrar no bloco. Mas dificilmente vai mudar no que se refere à questão das sanções econômicas à Rússia, porque isso iria contra os interesses comerciais turcos.

A realidade da Turquia pode parecer distante dos problemas brasileiros, mas há muitos motivos para observar com atenção os acontecimentos políticos no país nas próximas duas semanas.

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