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Entrelinhas

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Entrevista

“Brasil está em nível 9 de 10 na escala de venezuelização”, diz Ernesto Araújo

Screenshot (Foto: Reprodução YouTube Gazeta do Povo)

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Ex-ministro das Relações Exteriores do governo Jair Bolsonaro, Ernesto Araújo esteve à frente do Itamaraty entre 2019 e 2021, período marcado pelo enfrentamento diplomático ao regime de Nicolás Maduro, pela reaproximação com os Estados Unidos e por duras críticas ao Foro de São Paulo. Nesta entrevista exclusiva, ele analisa os bastidores das recentes negociações envolvendo Lula, Donald Trump e o ministro Alexandre de Moraes, comenta a retirada de sanções baseadas na Lei Magnitsky, avalia o cenário venezuelano e faz um diagnóstico sobre o estado da democracia brasileira.

Entrelinhas: Muitos dizem que o Brasil “venezuelou”. Numa escala Venezuela, onde estaria o Brasil?

Ernesto Araújo: Eu diria que estamos numa posição 9 de 10. Bastante perto. Ainda existe uma folha de parreira escondendo a nudez da ditadura brasileira, mas não existem mais instituições independentes. Todas fazem parte da mesma estrutura de poder. Não há imprensa independente de grande alcance. O estado prerrogativo faz o que quer. É o mesmo modelo venezuelano.

Entrelinhas: Entăo o senhor acredita que o Brasil pode se tornar a maior ditadura da região?

Ernesto Araújo: Sim. Talvez o único país claramente ditatorial da América Latina, em breve. Enquanto outros países avançam, o Brasil regride.

Entrelinhas: O senhor enfrentou críticas quando denunciou a ditadura venezuelana como chanceler. O mundo mudou?

Ernesto Araújo: Mudou, e muito. Essa mudança começa com a eleição do Trump. Desde 2019 nós afirmamos que o Maduro é chefe de uma organização criminosa. Fomos os primeiros a não reconhecer a eleição fraudulenta de 2018. Isso criou a base política e diplomática para o que está acontecendo agora. Plantamos sementes.

Entrelinhas: O senhor se orgulha dessa postura?

Ernesto Araújo: Muito. Ganhei como inimigos o Maduro e o chanceler venezuelano. Ótimo. E ganhei como referência pessoas como Maria Corina Machado, que lutam pela liberdade. A imprensa brasileira deu palco ao Maduro, mas nunca quis ouvir os venezuelanos que fugiam pela fronteira de Roraima.

Entrelinhas: Ministro, o senhor acredita que houve um acordo entre Lula, Trump e Alexandre de Moraes para a retirada das sanções baseadas na Lei Magnitsky?

Ernesto Araújo: Certamente, houve um acordo. Não tem a menor cara de ter sido um acordo clássico, conduzido pela diplomacia oficial brasileira. A gente tem na diplomacia acordos usuais, compromissos abertos, e isso não parece nada disso. Houve interferência especulada de grandes empresários, banqueiros, e isso foge ao terreno normal da diplomacia. Com certeza, foi oferecido algo, e isso é o que todo mundo quer saber.

Entrelinhas: Falta transparência nesse processo?

Ernesto Araújo: Sem dúvida. Qualquer entendimento internacional entre governos, independentemente do nome que se dê — acordo, memorando, tratado — é um acordo internacional. Pela Constituição brasileira, se ele implica algum ônus ou compromisso, precisa ser submetido ao Congresso Nacional. Além disso, acordos secretos são proibidos pela Carta das Nações Unidas. Qualquer acordo internacional precisa ser divulgado. Se não há transparência, pode haver violação tanto da Constituição quanto da Carta da ONU.

Entrelinhas: O senhor acredita que o Brasil cedeu muito nessas negociações?

Ernesto Araújo: Claramente. O Trump colocou dois elementos na mesa que tinham custo muito baixo para os Estados Unidos: as tarifas e a Magnitsky. As tarifas ele retirou, a Magnitsky não tem custo técnico. Ao retirar esses dois bodes da sala, ele aparentemente obteve muita coisa do Lula. Foi uma ótima negociação para o lado americano e uma péssima para o lado brasileiro.

Entrelinhas: O que pode ter sido colocado na mesa pelo Brasil?

Ernesto Araújo: A gente pode especular: terras raras, regulação das big techs, compromissos no agro. Mas eu não acredito que tenha sido só isso. Talvez tenha havido coisas ainda menos mencionáveis. Houve participação de empresários e banqueiros. O Trump não se move por palavras, se move por fatos concretos. Eu chego a perguntar: será que algum dinheiro mudou de mão? O povo brasileiro e o povo americano precisariam saber.

Entrelinhas: A retirada da Magnitsky significa que os EUA desistiram de influenciar o Brasil?

Ernesto Araújo: Pelo contrário. Foi a consolidação de uma influência decisiva. Os Estados Unidos hoje têm enorme poder sobre o Brasil. A estratégia de segurança nacional deles deixa claro que vão atuar também com partidos e movimentos alinhados aos seus princípios.

Entrelinhas: Alguns dizem que parte do acordo envolveria a Venezuela. O senhor acredita na renúncia de Nicolás Maduro?

Ernesto Araújo: Eu não acredito. O Maduro joga com o tempo. Ele aposta que os Estados Unidos vão ceder e que ele será novamente acolhido por uma comunidade internacional complacente. Ele está pagando para ver. Não acho que seja blefe dos EUA, mas também acho que eles tentam evitar uma intervenção armada direta.

Entrelinhas: O Brasil teria papel decisivo nesse cenário?

Ernesto Araújo: Não decisivo. O Lula pode ajudar ou atrapalhar diplomaticamente, mas não tem capacidade militar nem poder real para determinar a saída do Maduro. Pode ter tentado convencê-lo dentro de um pacote maior, talvez tenha dado muito valor a isso, mas não é determinante.

Entrelinhas: O senhor vê um cronograma por parte dos Estados Unidos?

Ernesto Araújo: Sim. Imagino que exista um prazo. Até o começo do ano, tentar resolver sem intervenção militar direta. Depois disso, a campanha eleitoral americana inviabiliza ações mais duras. Os EUA perderiam credibilidade se mobilizarem forças e depois recuarem sem resultado.

Entrelinhas: Como o senhor avalia a nova doutrina americana para a América Latina?

Ernesto Araújo: É extremamente clara. A América Latina faz parte do hemisfério ocidental, da mesma casa geopolítica dos EUA. Eles querem afastar a influência da China e da Rússia, combater o crime organizado e a corrupção. Tudo isso é um mesmo sistema de poder. Magnitsky é detalhe dentro de algo muito maior.

Entrelinhas: Em resumo, o que está em jogo?

Ernesto Araújo: Está em jogo a liberdade. A Venezuela sempre foi o fulcro do problema. O Brasil ajudou a enfrentá-lo no passado. Hoje, infelizmente, caminha para se tornar parte dele.

Entrelinhas: Durante sua gestão, o senhor enfrentou resistência interna no Itamaraty?

Ernesto Araújo: Muita. Existe uma mentalidade infiltrada desde os anos 60, de aproximação com o bloco totalitário, vendida como política externa independente e multilateralismo. Quando um governo tenta mudar isso, dizem que são políticas de Estado, quando na verdade são políticas equivocadas de governos anteriores.

Entrelinhas: O deep state existe na diplomacia brasileira?

Ernesto Araújo: Existe uma mentalidade dominante. Há muita gente boa, democrática, mas a estrutura foi capturada. A imprensa e a classe política ajudaram a sabotar qualquer tentativa de reinserir o Brasil no bloco das democracias ocidentais.

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