Os empresários sempre reclamaram do tamanho dos juros. O alvo era o Banco Central, que maneja a taxa básica (Selic) para controlar a inflação. Ao menos um setor decidiu voltar baterias contra outro problema: a dívida pública. Na mira está o governo, gestor do dinheiro coletado dos contribuintes.
A CNC, confederação do comércio, lançou campanha em que mostra as consequências do aumento da dívida e cobra uma reforma para reduzir o custo da máquina estatal.
Segundo estimativa da entidade, no longo prazo cada aumento de 1% na dívida pública reduz em 25% a expansão do PIB per capita. "Ou seja, se a dívida aumentar em 1%, uma taxa de crescimento [do PIB por habitante] que era de 2% passa a ser de 1,5%", diz o estudo.
Não que o setor esteja feliz com os juros, que voltaram a subir e vão encarecer investimentos e consumo. Mas, aparentemente, decidiu concentrar a discussão em um dos fatores que explicam o alto custo do dinheiro no país: o desequilíbrio das contas públicas.
À exceção de um breve período no azul, as finanças estatais acumulam déficits primários desde 2014. Isso significa que o governo gasta mais do que arrecada – e antes mesmo de pagar o serviço da dívida pública. Assim, precisa pegar dinheiro emprestado para tapar o buraco, o que leva a mais endividamento. Até o secretário do Tesouro admite que é preciso um "olhar mais consistente" sobre a questão.
Dívida pública deu salto desde o início do governo
Desde o início do atual mandato de Lula, a dívida bruta saltou de 71,7% para 78,6% do PIB. Como já escrevemos por aqui, só se viu aumento assim no governo Dilma e na pandemia de Covid-19.
Com o saldo devedor aumentando, o valor destinado ao pagamento de juros subiria mesmo que as taxas não mudassem. Para complicar, elas também estão em alta.
O Banco Central começou a elevar o juro de curto prazo, a Selic, para conter a alta de preços. E a desconfiança sobre as finanças do governo faz o mercado cobrar remuneração maior dos títulos do Tesouro, o que empurra para cima os juros de longo prazo. Nos últimos dias, eles se aproximaram de 7% ao ano, em termos reais. Sinal de que ninguém botou fé na decisão da agência Moody's de melhorar a nota de crédito do país.
A CNC observa que o Orçamento federal é engessado: as despesas obrigatórias representam mais de 90% do total e, pelos cálculos da entidade, podem chegar a 100% nos próximos cinco anos. Para cobrir gastos crescentes, o governo se concentra em aumentar a arrecadação. Um quadro que, nas palavras da confederação, provoca mais inflação, juros e endividamento.
Uma das soluções, defende a CNC, é fazer uma reforma administrativa "focada na correção de distorções e na aplicação de melhores práticas na máquina pública". Algo que pode gerar economia de R$ 330 bilhões em dez anos, "além de atrair novos investimentos por meio de privatizações, concessões e parcerias público-privadas".
CNC cobra reforma administrativa para conter aumento da dívida pública
Os representantes do comércio dizem que o país avançou com as reformas trabalhista e da Previdência, e elogiam a simplificação buscada pela nova legislação tributária, em discussão no Congresso. Mas avaliam que esses esforços serão prejudicados caso não haja mudanças na estrutura do setor público, que limitem a necessidade de mais impostos para sustentá-la.
A ideia é que o Estado cuide de suas atividades fundamentais e abra espaço para o setor privado liderar o desenvolvimento.
O presidente Lula pensa diferente. Vê o Estado como o grande indutor da economia, via administração direta e empresas estatais. Espera que as companhias privadas estejam de acordo com o "pensamento de desenvolvimento do governo". E pretende recompor ao menos parte do quadro de pessoal que se aposentou nos últimos anos.
Algumas áreas de fato precisam de reposição. A falta de pessoal em agências reguladoras e órgãos ambientais, por exemplo, atrasa licenciamentos e autorizações e causa prejuízos para o setor privado. A desregulamentação de atividades econômicas, para reduzir a burocracia e a necessidade de servidores, é bem-vinda, mas demanda cuidados.
A ministra da Gestão, Esther Dweck, se recusa a falar em reforma administrativa ampla. Prefere algo mais discreto. Nas negociações salariais com 45 categorias, incluiu na pauta uma reorganização de carreiras, com vencimentos iniciais mais baixos e progressão mais lenta, de modo que os servidores não atinjam tão rápido o topo da remuneração – a ideia é alongar o prazo de 13 para 20 anos. A ministra também defende programas de avaliação de desempenho, historicamente barrados pelos sindicatos.
São medidas que, se funcionarem, terão efeito no longo prazo, apenas. De todo modo, vale lembrar que mesmo quando existia disposição de parte do governo para uma reforma ampla, como na gestão de Paulo Guedes no Ministério da Economia, faltou apoio político, inclusive do então presidente Jair Bolsonaro.
Por isso, convém alguma cautela na ambição de reforma do serviço público. Até por questões matemáticas, digamos.
Em relação ao tamanho da economia brasileira, a despesa de pessoal da União atingiu o menor nível da série histórica: 3,4% do PIB, tanto em 2022 quanto em 2023, ante quase 5% do PIB no início dos anos 2000. Há um quarto de século, o funcionalismo consumia 30% das despesas do governo federal; hoje são menos de 20%.
Sim: com o PT na gestão, o viés do gasto com servidores é de alta. Mas, mesmo sem ele, o espaço para redução não parece ser tão grande.
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