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Fernando Jasper

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Lula encontrou um problema na economia

Inflação de alimentos: Lula encontrou um problema na economia
Obcecados em fazer o PIB crescer a qualquer custo, Lula e seu partido subestimaram a importância da inflação na percepção da economia. (Foto: André Borges/EFE)

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Apenas 45 dias atrás, o presidente Lula disse que "a única coisa errada nesse país" era a taxa de juros acima de 12%. "Não há nenhuma explicação. A inflação tá quatro e pouco, é uma inflação totalmente controlada. A irresponsabilidade é de quem aumenta a taxa de juros todo dia, não é do governo federal. Mas nós vamos cuidar disso também", avisou.

O tal "irresponsável" é o Banco Central, criticado por Lula e PT desde o início do mandato. O BC vem elevando a Selic para tentar controlar a inflação e, assim, cumprir sua missão de preservar o poder de compra da moeda. Nesta quarta (29), agora sob o comando de um escolhido do petista, a autarquia subiu o juro básico para 13,25% ao ano. E reiterou que não vai parar aí.

A inflação "totalmente controlada" de Lula fechou 2024 em 4,83%, acima do teto da meta. Arrisca ficar maior em 2025: nesta semana, a mediana das expectativas do mercado saltou para 5,5%. Já vimos coisa pior. Mesmo assim, o povo não se mostra tão confortável quanto o presidente com o aumento do custo de vida.

Alguns preços, como se sabe, avançam muito além do índice geral, que é a média ponderada das variações de centenas de itens de um orçamento familiar "padrão". A depender de quais produtos e serviços mais consome, uma família pode perceber inflação um tanto maior que a oficial.

E aí voltamos ao presidente da República. Se até há pouco ele não via qualquer problema na economia além do Banco Central, de repente parece ter encontrado um.

Está preocupado, quem diria, com a inflação. Mais precisamente, a dos alimentos. Ou, no mínimo, com o estrago que ela faz na sua popularidade. Pois "2026 já começou".

"Os alimentos estão caros na mesa do trabalhador. Todo ministro sabe que o alimento está caro e é uma tarefa nossa garantir que o alimento chegue à mesa do povo trabalhador, da dona de casa, à mesa do povo brasileiro em condições compatíveis com o salário que ele ganha", disse Lula em reunião ministerial.

E assim, como se a alta de preços fosse uma surpresa, o presidente deu a ordem para que seus ministros a resolvessem o quanto antes. O que houve em seguida não surpreende. Saíram em polvorosa prometendo soluções para já, deixando escapar até a ideia de "intervenções" aqui e ali, num ato falho corrigido em seguida.

Segundo relatos de bastidores, gente do PT teria defendido inclusive a taxação de exportações para que sobre mais comida no mercado doméstico, o que tem tudo para desestimular a produção e gerar mais inflação, como testemunhou a Argentina dos Kirchner.

Lula parece ter desautorizado soluções heterodoxas, mas a criatividade do governo é sempre uma preocupação. Segue viva na memória dos produtores a lembrança da tentativa desastrada de importar arroz após as enchentes no Rio Grande do Sul.

Apesar da recente descoberta do presidente e do tom de urgência que imprimiu aos subordinados, a inflação dos alimentos não nasceu ontem. Verdade que ganhou tração recentemente, mas o avanço mais forte é notado desde meados do ano passado.

Enquanto o IPCA geral variou pouco menos de 5% em 2024, alimentos e bebidas ficaram quase 8% mais caros, na média. O arroz subiu 8%. As carnes, 21%. O óleo de soja, quase 30%. Leite e derivados tiveram aumento de 10% e o café, de 40% – e tende a seguir em alta.

Pandemia, guerra, clima e câmbio alimentaram inflação

O que Lula e seus ministros podem fazer para resolver? Não muito, na verdade. Ajudam mais se não atrapalharem. Preço de alimento é influenciado principalmente pela oferta, que varia conforme fatores que no geral estão fora do alcance do governo, para o bem e para o mal.

A redução de 9% no preço das carnes em 2023 foi provocada pelo momento favorável do ciclo pecuário. E a variação de apenas 1% no preço médio da comida naquele ano, medida pelo IPCA, foi obra em grande parte da colheita recorde de grãos.

Em 2024, houve o oposto. O clima prejudicou lavouras e o ciclo pecuário entrou na fase de redução de oferta, como bem explica esta reportagem do colega Marcos Tosi. Algum refresco é esperado para este ano, desde que se confirme a projeção de safra cheia.

À parte o alívio de 2023, o custo da alimentação tem subido há muito tempo. A inflação dessa categoria foi de 14% em 2020, 8% em 2021, 12% em 2022. Incluindo na conta os dois últimos anos, o aumento acumulado beira 50%, contra um IPCA geral de 33%:

Não é um fenômeno local. Pandemia e guerra prejudicaram cadeias de fornecimento e eventos climáticos extremos derrubaram produções, gerando inflação no mundo todo.

O azeite de oliva e o café estão entre as vítimas mais conhecidas do clima. Por aqui, o primeiro subiu 120% em cinco anos. O segundo ficou 133% mais caro.

Como muitos preços são definidos pelo mercado internacional, algum alento poderia vir da taxa de câmbio. E aí, sim, entra o governo.

O real foi uma das moedas que mais se desvalorizaram no ano passado, em grande parte pela desconfiança sobre o compromisso de Lula com as contas públicas. A disparada do dólar está por trás de parte relevante da alta de preços – da comida e de outros itens que por ora não chamaram atenção do presidente.

Há quem sugira baixar impostos, mas o campo de ação é limitado. Alimentos já são menos taxados e o principal tributo, nesse caso, é estadual (o ICMS). Ampliar incentivos fiscais para empresas tende a ter pouco efeito, como demonstra a comparação entre os preços dos veículos e as desonerações bilionárias concedidas a montadoras no Brasil.

Lula e PT subestimaram importância da inflação

Na prática, Lula paga o preço de ter prometido picanha e cerveja como se tivesse o condão de colocá-las na mesa do brasileiro. Talvez tenha pensado que bastaria inundar a economia de dinheiro público, turbinar transferências de renda e elevar o salário mínimo acima da inflação.

Quando a oferta não acompanha, cedo ou tarde o estímulo ao consumo acaba gerando mais inflação. Está no manual, mas o presidente está certo de que os livros de economia estão superados.

Obcecados em fazer o PIB crescer a qualquer custo, o presidente e seu partido concentraram esforços em combater o Banco Central e a política de juros. Subestimaram a importância da alta de preços na percepção popular sobre a situação econômica. E isso diz muito sobre o quanto estão conectados aos anseios e necessidades do povo.

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