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No Brasil, Lula anuncia, subsidia e exige investimentos no setor de petróleo. No exterior, cobra compromissos ambientais e dinheiro para a Amazônia.
No Brasil, Lula anuncia, subsidia e exige investimentos no setor de petróleo. No exterior, cobra compromissos ambientais e dinheiro para a Amazônia.| Foto: EFE/EPA/Stephani Spindel

O governo pretende que o Brasil seja um dos quatro maiores produtores de petróleo do mundo ao fim da década. Ao mesmo tempo, quer liderar as discussões sobre mudanças climáticas e a transição para fontes renováveis.

A primeira ambição parece bem encaminhada, mas, exatamente por isso, a segunda deve ficar só na vontade.

Perto da metade do mandato, o presidente Lula já não convence ambientalistas no Brasil e começa a cair em descrédito lá fora. Seria mesmo uma façanha iludir todo mundo, todo o tempo, tentando ser simultaneamente gigante petroleiro e campeão do clima.

No Brasil, Lula veste o macacão da Petrobras, chama de imbecis os que defendem privatizá-la e dá guarida a quem promete extrair até a última gota de petróleo. Anuncia, subsidia e exige investimentos no setor. Põe dinheiro público para – de novo – ressuscitar estaleiros.

Nos fóruns internacionais, por outro lado, o presidente cobra compromissos ambientais dos países ricos e dinheiro para proteger a Amazônia. Foi assim em seus dias de Nova York, em encontros como a Cúpula do Futuro e a Assembleia Geral da ONU, enquanto aqui os brasileiros respiravam fumaça (coisa que não é responsabilidade só do governo, mas serve para lembrar Lula e apoiadores de que o mundo dá voltas).

Na segunda-feira (23), entre um evento e outro, Lula se encontrou com o presidente da Shell, o que teria causado mal-estar no "núcleo verde" do governo. No mesmo dia, no Rio de Janeiro, uma diretora da Petrobras e o ministro de Minas e Energia disseram estar otimistas com a possibilidade de finalmente conseguir do Ibama a licença para perfurar poços na Bacia da Foz do Amazonas, a mais cobiçada fronteira de exploração do país.

As contradições não passaram despercebidas. Nem é de agora o cheiro de queimado.

Na conferência do clima do ano passado, a COP28, o Brasil recebeu de uma organização ambientalista o prêmio "Fóssil do Dia" por "aparentemente confundir produção de petróleo com liderança ambiental". Pode esperar mais no ano que vem, quando a COP30 será realizada em Belém, nos arredores da Margem Equatorial.

Quando confrontadas, lideranças do governo e da Petrobras afirmam que não há contradição. Recorrem a justificativas como "soberania energética" e acusam de hipocrisia países concorrentes e desenvolvidos que apontam o dedo para o Brasil.

Não deixam de ter razão. A discussão de metas ambientais é terreno propício para dissimulação, pretexto para protecionismo, esconderijo de interesses comerciais. Poucos conseguem se manter no papel de mocinho. Exemplo: a Noruega, elogiada por progressismo ambiental, compromissos de neutralidade climática e financiamento de conservacionismo mundo afora, é um dos maiores exportadores de petróleo e faz perfurações até no Ártico.

A dúvida é sobre a credibilidade e o poder de persuasão que o Brasil terá nas negociações climáticas ao transformá-las em uma disputa de quem é mais ou menos hipócrita.

A fantasia de petroleiro verde pode ter outras implicações. Para o agronegócio, por exemplo. Para contrabalançar o aumento das emissões na área energética, o governo pode querer impor a meta de desmatamento zero até 2030, em vez de desmatamento ilegal zero – o que significaria passar por cima da legislação brasileira, considerando as permissões previstas no Código Florestal.

Petróleo exerce fascínio sobre Lula – e governo depende do dinheiro

Por trás de tudo, há fatos incontornáveis.

O mundo nunca falou tanto em transição energética, mas também nunca consumiu tanto petróleo. A demanda é a maior da história e tende a seguir em alta pelo menos até o fim da década. A tal transição é um processo gradual, caro e sujeito a contratempos, como se vê no mercado de carros elétricos.

No Brasil, a economia nunca dependeu tanto do combustível fóssil. Nem o governo.

Vinte anos atrás, o grupo petróleo e derivados era apenas o sétimo mais exportado pelo país, com vendas de US$ 4,4 bilhões. Hoje ele é o campeão de exportações pelo terceiro ano seguido, com receitas de US$ 40,3 bilhões apenas de janeiro a agosto.

Enquanto isso, a subida do Brasil ao posto de oitavo maior produtor do mundo rendeu impostos, royalties e dividendos crescentes ao setor público. Lula e seus ministros argumentam que precisam do petróleo para financiar a transição energética; na verdade, precisam é para todo o resto, e já.

Desde a descoberta do pré-sal, que levou o presidente a abandonar o posto de embaixador do etanol e concluir que Deus é brasileiro, o petróleo virou a cura para todos os males, fonte de verba para saúde, educação, vale-gás e o que mais governo e Congresso inventarem em tempos de eleição. Pergunte aos ministros Fernando Haddad e Simone Tebet o que será das metas fiscais e do Orçamento se o país decidir reduzir a combustão.

Para as gestões petistas, o petróleo exerce um fascínio especial: permite falar em geração de emprego e renda, políticas de conteúdo nacional e renascimento da indústria naval. O leitor que viveu as últimas duas décadas deve lembrar o que isso significa.

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