Uma das manifestações mais antigas da humanidade é a festa. A fartura de comida e bebida, as músicas, as danças e os rituais das diferentes celebrações traçam uma linha direta entre nós – homens e mulheres do século 21 – e nossos antepassados pré-históricos. Em essência, não há muita diferença entre se reunir ao redor de um pinheirinho de Natal para trocar presentes ou juntar-se no entorno de uma fogueira para cultuar a lua e dividir a refeição de uma colheita excepcionalmente boa. No fundo, desde tempos imemoriais quase sempre festejamos a mesma coisa. E isso diz muito sobre nós: de certo modo, somos humanos (e não animais) porque somos festeiros. E as festas podem ser vistas como uma das maiores expressões da civilização.
O elo entre passado e presente está na própria origem das festas. Mas quando e por que os homens começaram a promover esses encontros de celebração? É difícil dizer com precisão. No entanto, os antropólogos têm uma boa aposta. As festividades teriam começado pouco depois que o homem deixou de ser um caçador-coletor para virar um lavrador – entre 12 mil e 10 mil anos atrás.
A agricultura depende do clima – principalmente da chuva e do sol. Rapidamente os elementos da natureza se tornaram divindades para nossos tataravós da Idade da Pedra. Afinal, a sobrevivência humana estava condicionada aos caprichos, aventuras e desventuras desses deuses. Ou, para usar uma linguagem mais atual, a humanidade depende dos ciclos na natureza.
O caso do sol é especialmente esclarecedor sobre a história das festas. Aos olhos dos povos primitivos, aquele majestoso deus celeste travava ao longo do ano uma guerra contra os deuses da escuridão. No inverno, parece perder a batalha: as noites são longas e ele está enfraquecido. Mas o sol volta a triunfar glorioso no verão. E vence as trevas e o frio.
Esses eventos naturais, dos quais o homem tanto precisava para saber quando semear e colher, começaram então a ser celebrados. Era preciso agradecer as dádivas dos deuses que garantiam as boas colheitas e, consequentemente, a vida humana. Estava inventada a festa – que pode ser definida como a comemoração pela alegria de simplesmente estar vivo.
O Natal é uma dessas festividades com um pé na pré-história. Sim, o Natal existe desde antes do Natal. E tudo por causa do solstício de inverno no hemisfério norte, que ocorre por volta de 21 de dezembro. É quando temos a noite mais duradoura do ano. A partir dali, os dias paulatinamente vão ficando mais longos. E as noites, mais curtas. É o começo do triunfo do sol sobre a escuridão e o frio. O período a partir do qual se reacende a esperança de semear a terra e garantir o sustento.
Povos dos mais variados cantos do mundo celebravam festividades nessa época. Um deles, bem mais recente na história, foram os romanos. Eles dedicavam o 25 de dezembro ao deus Sol Invicto. Quando Roma adotou o cristianismo como religião oficial, no século 4, a celebração do nascimento de Jesus substituiu a festa solar. Ninguém sabia mesmo quando ocorreu seu nascimento; para comemorá-lo era preciso arbitrar uma data. O 25 de dezembro veio a calhar. Cristo, afinal, é a luz e a salvação da humanidade para os fiéis.
Várias outras comemorações ancestrais que têm relação direta com os astros e as colheitas foram cristianizadas e ressignificadas ao longo dos séculos. As festas juninas, por exemplo. Desde muitos milênios atrás, havia comemorações no outro solstício – que acontece por volta de 21 de junho. No hemisfério norte, essa época marca não apenas o auge dos dias longos. Mas também o período da colheita e fartura à mesa. Eram bons motivos para se comemorar. Muito tempo depois, a Igreja associou as festas de Santo Antônio, São João e São Pedro aos antigos festivais pagãos do solstício de verão.
A Páscoa também mantém laços com outro evento astronômico: o equinócio, quando noite e dia têm a mesma duração. A celebração pascal ocorre sempre no domingo seguinte após a primeira lua cheia do período do equinócio de primavera no hemisfério norte, que ocorre por volta de 21 de março. Os dias passam a ser mais longos que as noites. Portanto, essa é a época em que o sol definitivamente vence a escuridão. O inverno acaba. E a terra pode começar a ser semeada.
Povos antigos também costumavam celebrar a chegada da primavera. E foi o período que os hebreus escolheram para lembrar de uma das maiores dádivas que receberam de Deus: a passagem da escravidão no Egito para a liberdade. A data também coincidiu com a ressureição de Cristo – o libertador dos pecados dos homens.
E aqui chegamos àquilo que faz a festa nos definir como humanos: a ideia de que podemos ser livres, por um dia que seja. É a ocasião de mostrar que não somos escravos – seja do pecado, do erro, das imposições da natureza ou das agruras do cotidiano. Quando festejamos, tentamos tirar de dentro aquele nosso lado bom que nem sempre externamos. Damos um tempo nas preocupações diárias, na luta pela sobrevivência. E simplesmente vivemos. A festa é em essência a celebração da alegria e da gratidão de estar vivo; e também a comemoração por tudo que conseguimos colher nessa breve jornada no mundo.
Trata-se de uma demonstração de nossa transcendência. Ao festejar, afirmamos para nós mesmos que podemos ir além de nossa natureza. Para quem tem fé, é uma transcendência religiosa que nos aproxima de Deus. Mas, mesmo na esfera mundana, também transcendemos. Afinal, nenhum outro animal se iguala ao homem ao se dar ao luxo de deixar de lutar diariamente pelo alimento.
Por isso a fartura e até mesmo os excessos das festas são uma perfeita tradução de nossa civilização. Só podemos esbanjar porque guardamos – um comportamento que começou, milênios atrás, quando alguém estocou pela primeira vez os grãos que colheu, de olho no futuro. E foi essa visão de longo prazo que nos permitiu construir sociedades cada vez mais sofisticadas, nas quais podemos viver melhor que nossos antepassados. Taí um ótimo motivo para fazer festa.