Mais um ano que começa e, seguindo a tradição de ocasiões anteriores, levantamos alguns aspectos e temas para ficarmos de olho no ano que começa aqui no nosso espaço de política internacional. Comecemos com um balanço dos principais pleitos e eleições nacionais que nos esperam em 2024. Nesta primeira coluna, daremos uma olhada nas principais eleições asiáticas de 2024.
A primeira eleição asiática de 2024, inclusive, já ocorreu, uma vez que, neste domingo, dia sete de janeiro, Bangladexe realizou suas eleições gerais. Com uma das dez maiores populações do mundo, o país conta com uma das economias que mais cresce, com média anual de 7% de crescimento do produto interno bruto na última década. O crescimento é puxado especialmente pela indústria têxtil.
Foram justamente os sindicatos da indústria têxtil que realizaram diversos protestos contra o governo de Sheikh Hasina, premiê desde 2009, além de outro mandato entre 1996 e 2001. Ela é filha de Sheikh Mujibur Rahman, um dos fundadores do país independente, cujo assassinato já abordamos aqui na Gazeta. Seu governo, embora marcado pelo crescimento econômico, enfrenta críticas por suposta alta corrupção e violência policial.
Devido às críticas de interferência política nas instituições e na polícia, a maioria dos partidos de oposição anunciou um boicote ao pleito. Sheikh Hasina e sua Liga Awami, ou Liga Popular, obviamente venceram o pleito, embora a configuração final do parlamento ainda esteja sendo contabilizada. Inicialmente, o comparecimento eleitoral anunciado foi de meros 28%, depois “corrigido” para 40%.
Mesmo o número corrigido é metade do comparecimento eleitoral de 2018. Bangladexe é um país marcado por muita mobilização nos dias eleitorais, incluindo transporte público gratuito, o que sempre proporcionou um alto comparecimento. Apenas 40% das pessoas terem ido votar, nos números oficiais, é marca contundente de desagravo popular contra o atual governo.
No tabuleiro internacional, os governos dos EUA e do Reino Unido afirmaram que terão “cautela” em reconhecer o resultado das eleições, que “mostram sinais” de que não foram livres e justas. Já China, Índia, Rússia, Singapura, Filipinas e Sri Lanka reconheceram o pleito e parabenizaram Sheikh Hasina por sua reeleição. Infelizmente, é provável que esta não seja a última vez que esse pleito aparecerá aqui em nosso espaço.
Taiwan
Daqui a alguns dias, no dia 13 de janeiro, Taiwan realizará suas eleições gerais. A República da China elegerá tanto seu legislativo quanto o sucessor da presidente Tsai Ing-wen, que, após dois mandatos, não pode concorrer à reeleição. Abordamos o pleito taiwanês no último mês de agosto, antes da confirmação das candidaturas. Serão três candidatos principais ao cargo máximo do executivo.
Tsai Ing-wen, atual vice-presidente, pelo governista Partido Democrático Progressista, é o favorito nas pesquisas. Ele enfrenta Hou Yu-ih, do tradicional Kuomintang, e Ko Wen-je, do Partido Popular de Taiwan, que é de terceira via. Como já explicamos aqui em nosso espaço, um dos principais aspectos das eleições em Taiwan, talvez o principal, é a plataforma de cada candidato em relação à República Popular da China, a China continental.
Especificamente, há os que defendem uma eventual declaração de independência de Taiwan, há os que defendem a manutenção do atual status quo e também os que defendem uma reunificação pacífica entre as duas Chinas. Lai Ching-te, o candidato governista, é o mais firme defensor de uma eventual independência até hoje nas eleições presidenciais. Já o veterano Hou Yu-ih, do KMT, defende a manutenção do status quo.
O popular ex-prefeito da capital, Ko Wen-je, tenta se distanciar dos dois partidos e adota uma política de que ele será, em primeiro lugar, um bom gestor público. As pesquisas apontam uma leve vantagem do candidato governista, com o candidato do KMT com uma leve vantagem em segundo. Ainda assim, é difícil considerar Ko Wen-je fora da corrida. Principalmente, o segundo turno está em aberto.
Será interessante ver se Ko anunciará apoio a algum candidato no segundo turno, inclusive pelo fato de também serem realizadas eleições legislativas. Seu partido deve aumentar sua presença na casa e, com isso, será essencial em alguma eventual aliança no parlamento, seja com o KMT, seja com o governista DPP, que hoje tem a maioria absoluta da casa, além de ser o favorito na corrida presidencial.
Paquistão
Já no dia oito de fevereiro ocorrerão as polêmicas e potencialmente violentas eleições gerais do Paquistão. O cronograma eleitoral foi anunciado em meados de dezembro, um mês depois de quando elas já deveriam ter sido realizadas, já que a Assembleia Nacional foi dissolvida em agosto e a constituição do país estabelece que o pleito deveria ser realizado até noventa dias depois.
Outra questão, a principal, é que o mais popular político do país não poderá concorrer ao pleito, enquanto a participação de seu partido, o maior do parlamento, é incerta. O ex-premiê Imran Khan foi eleito em 2018 em um dos melhores resultados eleitorais da História do país, explicado parcialmente pela sua imensa popularidade como um dos principais atletas da História do críquete, o esporte mais popular do país.
Em uma analogia simples, é como se Ronaldo Fenômeno fosse eleito presidente do Brasil. Durante uma crise constitucional, Khan foi o primeiro primeiro-ministro da História do Paquistão a ser retirado do cargo por uma moção de censura em abril de 2022. Em agosto, foi acusado pela lei anti-terrorismo após denunciar a detenção e alegada tortura de um assessor por parte da polícia e do sistema judiciário.
Em outubro, as autoridades eleitorais desqualificaram Khan para assumir seu assento de parlamentar e, no mês seguinte, ele sofreu uma tentativa de assassinato. Em maio de 2023 ele foi preso por supostos atos de corrupção, o que desencadeou uma série de protestos que resultaram em milhares de presos e dezenas de mortos e feridos. Khan afirma que é alvo de uma perseguição pelo exército, sob orientação dos EUA.
Khan foi condenado a três anos de prisão em agosto, mas um tribunal de apelações suspendeu a pena e concedeu-lhe fiança. Ele ainda está preso, entretanto, pela acusação de ter “vazado segredos de Estado”, por ter exibido um telegrama diplomático em um comício, quando acusou a suposta intervenção dos EUA no país. Seu partido, o Tehreek-e-Insaf, continua sendo um dos maiores do país.
O PTI tinha 149 das 342 cadeiras do parlamento antes da casa ser dissolvida e governar duas das quatro províncias do país, incluindo Punjab, a mais populosa. Hoje é presidido provisoriamente por Gohar Ali Khan, advogado do ex-premiê, e a participação do partido no pleito é incerta. Caso ele seja barrado, certamente haverá descontentamento popular e risco de violência no país.
Enquanto isso, os dois principais candidatos confirmados são o ex-primeiro-ministro Nawaz Sharif, da Liga Muçulmana, que recentemente retornou de um autoexílio, e Bilawal Bhutto Zardari, do Partido Popular, filho da ex-primeira-ministra Benazir Bhutto, assassinada em 2007, a primeira mulher eleita para chefiar um governo democrático em um país de maioria muçulmana. Ela governou o Paquistão entre 1988 e 1990 e entre 1993 e 1996.
Indonésia
Também em fevereiro, no dia 14, teremos o primeiro turno de uma das maiores eleições do mundo em número de eleitores, na Indonésia. O país é conhecido por ter um dos presidencialismos mais centralizados do mundo, com grande poder investido no Executivo. Além do presidente, serão eleitos os 711 membros das duas casas do Congresso nacional e legislativos regionais.
O atual presidente Joko Widodo não pode concorrer ao terceiro mandato seguido. Seu aliado e candidato governista, Prabowo Subianto, é o favorito das pesquisas. Ele é um ex-general e atual ministro da Defesa que não pode entrar nos EUA, devido seu papel nas atrocidades e violações de direitos humanos cometidas pela ditadura militar indonésia, incluindo sua participação no Genocídio Timorense.
Seu partido é o Gerindra, acrônimo para “Movimento Grande Indonésia”, que defende abertamente a repressão de movimentos regionalistas no país, como o dos papuásios. O militar nacionalista terá como companheiro de chapa o candidato à vice-presidente Gibran Rakabuming Raka, prefeito de Surakarta. Isso importa porque se trata do filho mais velho do atual presidente Joko Widodo.
A própria nomeação de Gibran foi suspeita. Pela constituição, candidatos à presidência precisam ter no mínimo quarenta anos de idade, enquanto ele tem 36. O Tribunal Constitucional fez um contorcionismo retórico para autorizar candidatos que tivessem menos de quarenta anos mas já tenham ocupado cargos eletivos. Na ocasião, o presidente do tribunal era Anwar Usman, tio de Gibran.
O jurista foi rebaixado do cargo de presidente após ser considerado culpado de conflito de interesse na decisão. Mesmo com a condenação, a decisão foi mantida. Tudo indica que existe algum acordo político amplo para manter, indiretamente, Joko Widodo no poder. Ou, ao menos, com grande influência. O papel de Subianto nisso tudo ainda está por ser visto, se ele aceitará ser um mero “laranja”.
Coreia do Sul
Finalmente, em dez de abril, ocorrem as eleições legislativas da Coreia do Sul. O pleito será uma espécie de referendo sobre o governo do presidente conservador Yoon Suk-yeol. Hoje, os conservadores ocupam 112 dos 300 assentos da Assembleia Nacional, enquanto 168 estão com os social-liberais do Partido Democrático. As outras cadeiras estão pulverizadas em pequenos partidos.
As pesquisas apontam uma vitória confortável do PD, liderado por Lee Jae-myung, que sofreu uma tentativa de assassinato logo no segundo dia do ano. Ainda não está claro o motivo da tentativa de assassinato. A última eleição presidencial na Coreia do Sul foi a mais apertada do país e a aprovação popular do atual presidente está em baixa, embora, claro, isso possa mudar até abril.
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