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Na última semana, na quinta-feira, dia sete de março, Joe Biden realizou seu quarto, e talvez último, discurso perante uma sessão conjunta do Congresso, seu terceiro pronunciamento oficial do Estado da União. Em um ano eleitoral, sua fala teve óbvio componente de campanha e tocou pouco em questões de política externa dos EUA, o que merece comentários.
Com cerca de uma hora de duração, o discurso de Joe Biden abre com a declaração de que os EUA supostamente enfrentam um momento “sem precedentes”. Biden fez um paralelo com o discurso de Franklin Delano Roosevelt, de janeiro de 1941, quando o então presidente dos EUA alertou o Congresso de seu país sobre os perigos do avanço do fascismo e do nazismo na Europa.
Biden se refere ao célebre discurso das Quatro Liberdades, quando Roosevelt pregou a defesa universal da liberdade de expressão, de crença, pela liberdade contra a escassez e pela liberdade do medo. Os nossos leitores talvez se lembrem que, desde o início do governo Biden, foi explicado aqui que o presidente dos EUA é um profundo admirador de Roosevelt e tenta emular seu antecessor o máximo possível.
Biden afirmou que a democracia não estava tão ameaçada no país desde a Guerra Civil, assim como estava ameaçada pelo mundo, especialmente pela invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin. O primeiro comentário possui um óbvio comentário eleitoral, mas o segundo também teve, já que Biden seguiu e comparou Ronald Reagan com Donald Trump, embora sem citar seu nome.
Campanha contra o antecessor
“Não faz muito tempo, um presidente republicano, Ronald Reagan, trovejou: 'Sr. Gorbachev, derrube este muro.' Agora, o meu antecessor, um antigo presidente republicano, diz a Putin: 'Faça o que quiser'. Um ex-presidente dos EUA disse isso, curvando-se diante de um líder russo. É ultrajante. É perigoso. É inaceitável.”. Ainda nessa seara, ele pediu aos republicanos para aprovar o orçamento com ajuda militar aos ucranianos.
Esse é um exemplo do que Biden buscou fazer em vários momentos de seu discurso: alinhar os perigos do mundo e dos EUA a Trump e seus aliados, tentando separar “bons republicanos” do Trumpismo, embora sem usar o nome de Trump. Em alguns momentos há quase um salto lógico entre um ponto e outro. Obviamente, não foi apenas Biden que escreveu o discurso, então a culpa não é somente dele.
Por exemplo, Biden afirma que “a minha mensagem ao Presidente Putin é simples. Não iremos embora. Não vamos nos curvar. Eu não vou me curvar. A História está vendo, assim como a História assistiu três anos atrás, em 6 de janeiro. Insurrecionistas invadiram este mesmo Capitólio e colocaram uma faca na garganta da democracia americana. [...] Todos vimos com os nossos próprios olhos que eles não eram patriotas.”.
Qual a conexão entre um assunto e outro, além de “a História está vendo”? Novamente, o fato de ser um ano eleitoral explica muito do conteúdo do discurso de Biden. Inclusive seus destaques em pautas domésticas, como a defesa da fertilização in vitro, a defesa do aborto de gestação e a defesa de políticas de recuperação econômica pós-pandemia, todas contrastadas com “meu predecessor”.
As pautas domésticas também foram um prato cheio da defesa de Biden de suas políticas econômicas, incluindo o slogan “Buy American” e a defesa dos sindicatos. Não coincidência, dois pilares dos governos de Franklin Delano Roosevelt, seu ídolo. Também fez a defesa de melhor saúde pública, em contraste ao seu “predecessor”. Adianto ao leitor que o termo foi utilizado treze vezes no discurso.
Oriente Médio e China
Na política externa, Biden tocou em apenas três assuntos. O primeiro deles foi Gaza e Israel. “Sei que os últimos cinco meses foram dolorosos para muitas pessoas, para o povo israelense, para o povo palestino e para tantos aqui nos EUA. Esta crise começou no dia Sete de Outubro com um massacre perpetrado pelo grupo terrorista Hamas. (...) O dia mais mortal para os judeus desde o Holocausto”.
Biden lamentou e condenou o ataque terrorista de sete de outubro, o fato de ainda existirem reféns e afirmou que seu governo “não vai descansar” até trazer de volta os reféns. Afirmou que o “Hamas poderia pôr fim a este conflito hoje”, libertando os reféns, depondo as armas e entregando os responsáveis pelo ataque terrorista. E aí Biden entrou no que, do ponto de vista internacional, foi o principal momento de seu discurso.
O presidente dos EUA tanto disse que o Hamas se esconde perante os civis, mas também afirmou que “Israel também tem a responsabilidade fundamental de proteger civis inocentes em Gaza” e que mais de trinta mil palestinos foram mortos, milhares sendo mulheres e crianças inocentes, com crianças órfãs, que quase dois milhões de palestinos estão sob bombardeio e que a maioria deles não era do Hamas.
O número de dezenas de milhares de mortos durante muito tempo foi questionado como um número “fornecido pelo Hamas” e supostamente repetido acriticamente. Não é mais, é agora um número presente nos anais da presidência dos EUA. “Cidades em ruínas, famílias sem comida (...) É de partir o coração.”. Assim definiu Biden, que afirmou que trabalha por um cessar-fogo imediato.
Biden também “puxou a orelha” de Netanyahu, afirmando que a única solução real é uma solução de Dois Estados, que garanta a segurança e a democracia de Israel. Ainda na região do chamado Oriente Médio, Biden afirmou ser necessário conter o Irã e, por isso, “construí”, colocando-se como protagonista, uma coalizão de mais de uma dúzia de países no Mar Vermelho.
Finalmente, a China. Com mais comentários sobre os republicanos e Trump. “Durante anos, tudo o que ouvi dos meus amigos republicanos e de tantos outros é que a China está em ascensão e os EUA ficarão para trás. Assegurei-me de que as tecnologias americanas mais avançadas não pudessem ser utilizadas nas armas da China.”
E, claro, um comentário sobre seu antecessor: “Francamente, apesar de todo o seu discurso duro sobre a China, meu antecessor não pensou em fazer isso.”. O fato de a política externa ter tido pouco espaço no discurso do Estado da União, no fim das contas, mostra duas coisas. Primeiro, que Biden tem pouco para mostrar nessa seara. Segundo, que sua campanha acha que vencerá as eleições por outros caminhos. “É a economia, estúpido”?
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Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise