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Antony Blinken iniciou mais uma viagem pelo Oriente Médio, espera-se que com mais frutos do que as anteriores. O secretário de Estado dos Estados Unidos realiza sua quinta viagem regional desde o dia Sete de outubro de 2023, com a adição de um novo elemento. Trata-se da primeira viagem após a morte de militares dos EUA, com os ataques na Jordânia no último dia 28 de janeiro. Na pauta da viagem estão alguns temas caros ao nosso espaço de política internacional e um potencial acordo mediado pelo Catar.
Primeiro, Blinken encontrou-se com o de fato mandatário da Arábia Saudita, o príncipe Mohammed bin Salman. Essa primeira reunião durou cerca de duas horas. As conversas entre os governos dos EUA e da Arábia Saudita giram em torno especialmente de duas pautas: a manutenção do processo de normalização de relações entre sauditas e Israel, e uma paz estável e duradoura com um Estado palestino minimamente viável. Basicamente, os mesmos termos dos últimos trinta anos.
Arábia Saudita
Na virada do milênio, a Arábia Saudita formulou a “Iniciativa Árabe para a Paz”. Em suma, em troca do estabelecimento de um Estado palestino soberano e viável, os sauditas reconheceriam Israel e pressionariam outros países muçulmanos para fazerem o mesmo, na posição de reino guardião das cidades sagradas do Islã. Os sauditas também investiriam tanto na Palestina quanto em Israel. A iniciativa foi rejeitada por Ariel Sharon, por Benjamin Netanyahu e pelo Hamas, mas é aceita pelo Fatah desde Arafat.
O processo de normalização entre sauditas e israelenses estava em curso e foi exatamente um dos alvos dos ataques terroristas do Hamas no dia Sete de Outubro. A sua chamada Operação Dilúvio de al-Aqsa tinha como um dos objetivos interromper e prejudicar essa normalização, vista pelo grupo como mais passo para o isolamento dos palestinos. Hoje, um país árabe ou muçulmano normalizar suas relações com Israel seria visto como abandonar os palestinos e ignorar as mortes e a destruição em Gaza.
Ainda assim, essa normalização é questão de tempo, por uma série de razões, especialmente econômicas e os laços mútuos com os EUA. O que acontece agora é que os sauditas voltaram a vincular as duas pautas, o reconhecimento de Israel e a autonomia palestina. Mesmo em países que já normalizaram suas relações com Israel nos últimos anos, como o Marrocos, são diversas as manifestações populares de apoio aos palestinos e de repúdio à destruição em Gaza. Imagine-se em um país que ainda não o fez.
Falamos disso aqui em nosso espaço ainda em outubro, em como a Arábia Saudita é chave para uma saída da atual crise. É o país árabe que pode oferecer algo de mais interessante para Israel, o reconhecimento, enquanto possui meios, diplomáticos e econômicos, para concretizar quaisquer projetos oriundos de algum acordo. Ao mesmo tempo, outros países também são importantes e são por onde Antony Blinken também vai passar e se encontrar com lideranças locais.
Egito e Catar
Dentre os países árabes, Blinken vai passar pelo Egito e pelo Catar. O Egito, embora hoje em profunda crise econômica e sem o protagonismo político que já teve, é essencial pois é o país árabe que faz fronteira com a Faixa de Gaza. Também é um governo que vê o Hamas como um inimigo, por sua associação com a Irmandade Muçulmana, o maior inimigo interno dos militares egípcios. Finalmente, é para território egípcio, o Sinai, que os israelenses mais extremistas querem expulsar os palestinos de Gaza.
O Catar é de suma importância por ser o país que sedia a representação internacional do Hamas e é, na prática, o principal defensor dos interesses do grupo, junto com a Turquia. Foi o Catar que costurou os acordos já feitos até o momento, para a libertação de reféns pelo Hamas e para o fornecimento de remédios, por exemplo. Segundo interlocutores na imprensa internacional, o Catar já teria mediado um esboço de um novo acordo envolvendo a libertação de reféns e a entrada de ajuda humanitária.
Algum resultado concreto?
Blinken também vai visitar Israel e Palestina, trechos mais previsíveis da viagem. Em Israel, o secretário de Estado vai manter o apoio incondicional de seu país no discurso público e, às portas fechadas, vai pedir que Netanyahu controle seus ministros mais extremistas e vai conferir os termos de um acordo mediado pelo Catar. Na Palestina, a viagem será para transmitir uma falsa sensação de simetria, com declarações públicas de que o governo Biden está comprometido com os civis palestinos, mas nada de concreto será feito.
Outro elemento da viagem, especialmente no Catar, é transmitir a ideia de que o governo dos EUA não está interessado em uma escalada de tensões com o Irã, mas que seu governo não irá fugir e vai responder se for atacado. O Catar transmitirá o recado aos iranianos, já que o pequeno país do golfo Pérsico é um ator com curioso trânsito diplomático: dialoga com o Irã, com a Irmandade Muçulmana, com seus vizinhos e sedia a maior base militar dos EUA no Oriente Médio.
Essa viagem é importante, pois é uma eventual oportunidade para Blinken colher os louros públicos de algum possível acordo, embora os verdadeiros méritos diplomáticos em tal acordo estivessem com o Catar. Com a proximidade das eleições nos EUA, também podemos esperar mais um ou duas viagens de Blinken pela região, com Joe Biden tentando mostrar-se engajado com o Oriente Médio e tentando colher eleitores, embora sua atuação recente tenha lhe custado parte do eleitorado mais jovem.
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Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise