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Nesta última quarta-feira, os cidadãos dos Países Baixos foram às urnas eleger a nova câmara baixa do Parlamento, onde é formado o governo. No último mês de maio eles já haviam eleito seu Senado, a câmara alta. Geert Wilders e seu Partido pela Liberdade, conhecido pela sigla em neerlandês PVV, ficou em primeiro lugar. Se ele vai conseguir formar um governo, é outra conversa.
Por vezes mencionamos aqui em nosso espaço de política internacional o fenômeno parlamentarista que pode ser traduzido pela expressão brasileira “ganhou, mas não levou”. Trata-se de quando um partido fica em primeiro nas eleições, elege a maior bancada de seu parlamento, mas não consegue formar um governo viável, acarretando em novas eleições ou em um governo de opositores.
É o que aconteceu recentemente na Espanha, por exemplo, onde o conservador Partido Popular ficou em primeiro, mas foi o PSOE, de esquerda, que conseguiu formar uma coalizão com maioria dos assentos no Parlamento, tema de nossa mais recente coluna aqui. E a possibilidade do “ganhou, mas não levou” é bem forte para as próximas semanas na política neerlandesa.
Resultados
Primeiro, os resultados. Como mencionamos, o PVV ficou em primeiro, com 37 dos 150 assentos, 23,6% dos votos. O partido de Geert Wilders é conhecido pelas posições nacionalistas chauvinistas: anti-imigração, especialmente contra muçulmanos, anti-aprofundamento da União Europeia, defesa de pautas populistas e centrado na figura do líder. Wilders, inclusive, é o único membro pleno do partido.
Os Países Baixos apenas repetiram um fenômeno da última década: a direita mais extrema e populista engoliu a direita conservadora tradicional. Nas eleições legislativas argentinas, por exemplo, como abordamos aqui, o partido de Milei cresceu muito, às custas das cadeiras dos Macristas. A enorme vitória de Wilders, maior do que as pesquisas previam, indo de 17 para 37 assentos, se deve em parte a esse fenômeno.
Em contraste, olhemos para as três grandes legendas tradicionais da direita neerlandesa. O conservador Partido Popular pela Liberdade e Democracia, o VVD, partido do ex-premiê Mark Rutte, perdeu dez cadeiras, ficando com vinte e quatro, e o liberal D66 ficou com nove, perdendo quinze assentos. O cristão-democrata CDA elegeu apenas cinco deputados, perdendo dez cadeiras na câmara baixa.
Em segundo lugar nas eleições ficou a aliança Trabalhista-Verde, de esquerda, com vinte e cinco assentos, 15,5% dos votos. Em terceiro, o citado VVD e, em quarto, o Novo Contrato Social, um partido de direita adepto do discurso "nem de esquerda, nem de direita, pra frente" similar ao que vimos aqui no Brasil. O NSC estreou com vinte cadeiras, liderado por Pieter Omtzigt, um deputado que passou vinte anos no CDA.
A maioria dos eleitores do NSC veio de uma massa que votou no BBB, o partido ruralista, na eleição para o Senado, quando o partido pegou todos de surpresa e teve seu melhor resultado, como vimos aqui. Agora, entretanto, muitos estavam descontentes com o desempenho do partido. O BBB elegeu sete deputados, seis a mais do que possuía, mas um desempenho aquém de sua performance no pleito para o Senado.
Outros oito partidos terão presença na Câmara neerlandesa, um número enorme em um Parlamento pulverizado. Estarão lá desde a extrema-direita do Fórum pela Democracia até o antigo Partido Comunista, passando pela legenda calvinista e o Partido dos Animais, um partido verde ainda mais radical. Esses oito partidos somarão vinte e três cadeiras, mais de 10% da casa.
Cálculos e Cordão Sanitário
Ou seja, formar um governo nessa colcha de retalhos não será tarefa fácil. Wilders, como vencedor do pleito, terá a primeira chance de formar um governo. O “número mágico” para o mínimo de uma coalizão viável é 76 cadeiras. Ele terá dois caminhos possíveis. O primeiro, de buscar legitimidade perante os grandes, moderar seu discurso e atrair os principais partidos à direita, o VVD e o NSC.
Isso esbarra em dois problemas. O VVD teme uma coalizão dessas, pois correria o risco de ser ainda mais enfraquecido. Além disso, o VVD é, até pouco tempo, defensor do "Cordão Sanitário". Nas últimas três eleições, os grandes partidos se comprometeram, por escrito, em não conversar com Wilders, classificado como uma ameaça à democracia e uma mancha suja na política, formando um “cordão sanitário” de isolamento.
Wilders, inclusive, em seu discurso de vitória, disse que o PVV “não pode mais ser ignorado”. A outra opção de Wilders é formar uma coalizão pulverizada, com o NSC e uma série de bancadas pequenas, como o BBB. O problema desse modelo é que qualquer divergência no seio da coalizão poderia fazer o governo ruir. Caso Wilders não consiga formar um governo, será parcialmente graças ao boicote do VVD.
Será, então, a vez de Frans Timmermans, líder da aliança Trabalhista-Verde. Sua proposta é a da Frente Ampla, com partidos de diversas matizes ideológicas, cujo propósito principal seria excluir Wilders. O risco dessa solução é que, caso o governo fracasse, seus proponentes terão um tiro pela culatra, com o fortalecimento do próprio Wilders, que está habituado ao papel de ser a “pedra”, não a “vidraça”.
O comparecimento eleitoral foi de 77,8%, um número alto, embora seja o menor dos últimos dez anos no país. O eleitorado de Wilders em muito se assemelha ao da vitória do Brexit: jovens descontentes com a economia e idosos descontentes com as mudanças sociais e com a segurança. Ambas as demografias vêem uma terceira, a dos imigrantes, como os culpados, seja por ocuparem postos de trabalho, seja pela criminalidade.
O problema desse raciocínio é que nem todos os imigrantes são demônios, assim como nem todos são santos. Trata-se de uma demografia heterogênea, e o debate não poderia ser superficial. De qualquer maneira, existe uma saída para os eleitores. Caso nenhuma das possibilidades que mencionamos aqui na coluna frutifique, há sempre o caminho de novas eleições, que seriam as quartas desde 2017.
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Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise