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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

O pouco comentado enigma causado pela mudança na defesa russa

Putin e Nikolai Patrushev, apontado por alguns como seu possível sucessor. (Foto: EFE/EPA/ALEXEI DANICHEV / SPUTNIK)

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Vladimir Putin demitiu seu mais longevo ministro da Defesa, Sergei Shoigu. A decisão veio depois de denúncias de corrupção dentro do ministério e como parte da posse do novo mandato do líder russo. O substituto de Shoigu será Andrey Belousov, um economista. Mais do que o significado dessa mudança, é importante olharmos em outro nome nessa dança das cadeiras. 

Como já explicamos antes em nosso espaço, Shoigu é homem de confiança de Putin e extremamente leal. Ele assumiu o cargo em 2012, sucedendo Anatoly Serdyukov, que caiu após mexer em vespeiros sobre corrupção no exército. Principalmente, Serdyukov estava se tornando muito popular após a vitória na guerra contra a Geórgia, em 2008, e o impacto positivo na opinião pública de suas reformas.

Ou seja, a corrupção não costumava ser um problema no ministério de Shoigu, pelo contrário, é parte da explicação de sua ascensão. Principalmente, Shoigu nunca foi uma ameaça a Putin. Não é um militar de carreira do exército, alguém que as tropas seguiriam em uma crise similar à ocorrida em 2023 envolvendo o então Grupo Wagner. Shoigu fez carreira nos serviços de emergência da Rússia, era um “general bombeiro”. 

Outra questão é que Shoigu é de origem tuvana, um povo túrquico da Sibéria, o que dificilmente faria de Shoigu uma liderança nacional perante parte da opinião pública. Por doze anos, Shoigu foi o ministro da Defesa ideal para Putin: leal, sem ser uma ameaça e sem mexer nos vespeiros errados. Até que veio a guerra na Ucrânia, explicitando as limitações da liderança de Shoigu e causando rachas internos ao governo. 

O maior exemplo desse racha foi o já citado motim do Grupo Wagner, mas não é o único. Shoigu e Gerasimov, comandante do Estado-maior, aparentemente se odeiam, e um jogou a responsabilidade no outro pelo fracasso da “operação militar especial” em suas primeiras semanas. Como parte da mudança no ministério da Defesa, inclusive, Gerasimov deve perder o cargo e talvez ser enviado para a reserva. 

Por doze anos, Shoigu foi o ministro da Defesa ideal para Putin: leal, sem ser uma ameaça e sem mexer nos vespeiros errados

Demitir Shoigu do cargo, então, serve ao duplo propósito de buscar melhorar as estruturas do ministério em meio ao conflito e, ainda, transmite a mensagem de que Putin supostamente seria implacável com a corrupção, demitindo seu “leal ministro” como prova disso. Novamente, entretanto, corrupção poucas vezes foi um problema no ministério da Defesa russo.

Shoigu foi então substituído por Andrey Belousov. Muitos veículos de imprensa estão destacando que o ministério foi dado a um civil, mas, novamente, Shoigu não era um militar de carreira do exército, era oriundo das “tropas da defesa civil”, ou seja, bombeiros e socorristas. A lógica de evitar concentrar poder em um general, entretanto, continua, inclusive para evitar disputas internas na caserna. 

Belousov está na estrutura do governo federal russo desde 2006, como vice-ministro do Desenvolvimento, depois como ministro da mesma pasta, conselheiro econômico de Putin e um mandato como vice-primeiro-ministro. Sua especialidade é planejamento econômico e industrial, o que fica explícito em um de seus principais livros, de 2007, “O Milagre Econômico russo: faremos nós mesmos”.   

Uma característica interessante de Belousov é que sua carreira começou na academia, não na política. De 1981 a 2006, ele estava nas universidades e think tanks russos, chegando ao serviço público apenas com 56 anos de idade. Sua nomeação como ministro da Defesa indica especialmente três aspectos. O primeiro deles é o descontentamento de Putin com o gerenciamento dos recursos bélicos do país.  

Caberá a Belousov, um planejador, gerenciar melhor os recursos do ministério, especialmente visando a guerra na Ucrânia, o que nos leva ao segundo aspecto. Qualquer desejo ou ilusão de vitória rápida na Ucrânia foi dissipado, e o país vai se preparar para um conflito prolongado. Muito provavelmente, a guerra na Ucrânia vai se tornar um conflito congelado, com períodos de diferente intensidade. 

Finalmente, a Rússia vai abraçar um keynesianismo militar similar ao abraçado pelos EUA em alguns períodos de sua História. Isso significa que os gastos militares terão importante papel nos índices econômicos e de desenvolvimento. Não se trata mais apenas de travar uma guerra, mas de viver em uma economia militarizada. Novamente, isso não é novidade, especialmente ao olharmos para a importância da indústria bélica nos EUA.

Qualquer desejo ou ilusão de vitória rápida na Ucrânia foi dissipado, e o país vai se preparar para um conflito prolongado

Retornando a Shoigu e a um aspecto importantíssimo dessa dança das cadeiras. Putin já disse, mais de uma vez, que vê a lealdade como a melhor qualidade de uma pessoa. Shoigu, sendo leal por mais de uma década, não poderia simplesmente cair e ser jogado aos leões. Ele tornou-se o secretário do Conselho de Segurança da Rússia, o terceiro na hierarquia desse órgão de Estado. 

Na prática, Shoigu não terá poder algum, mas continuará parte do processo decisório russo e com as benesses do cargo. Ao colocar Shoigu ali, Putin demitiu Nikolai Patrushev, homem forte desde a ascensão de Putin ao poder. Patrushev chefiou a inteligência russa e teve papéis essenciais na anexação da Crimeia em 2014, na invasão da Ucrânia e no desmonte do motim do Grupo Wagner.  

Patrushev é especulado até mesmo como um dos possíveis sucessores de Putin. Sua demissão terá sido uma forma de se livrar de um rival? Patrushev vai assumir outro cargo? Se sim, qual? Esse é talvez o enigma mais importante nessa dança das cadeiras de Putin. Belousov, sendo um tecnocrata, é quase previsível. Patrushev, onde for parar, pode gerar um impacto muito maior.

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Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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