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Filipe Figueiredo

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Relações exteriores

Por que Lula deveria nomear uma diplomata para chefiar o Itamaraty

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista coletiva em Brasília na última sexta-feira (2) (Foto: EFE/André Borges)

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Tudo indica que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva deve anunciar seu ministério apenas após sua cerimônia de diplomação no Tribunal Superior Eleitoral, no dia 12 de dezembro. Por motivos óbvios e compreensíveis, o anúncio mais esperado é o nome de quem ocupará o Ministério da Economia, ou da Fazenda, caso a pasta retorne à sua configuração anterior. Para chefiar o Itamaraty, o nome mais cotado no momento é o do diplomata Mauro Vieira, o que pode representar uma oportunidade desperdiçada para Lula e para as relações exteriores do Brasil.

Comecemos essa análise deixando claro logo no início que não há nada que desabone Mauro Vieira em si. O diplomata de 71 anos ocupou os quatro postos mais importantes da diplomacia brasileira. Primeiro, foi embaixador na Argentina entre 2004 e 2010, nosso mais importante vizinho. Depois, foi embaixador do Brasil em Washington de 2010 a 2015, a principal potência hemisférica e maior economia do planeta. De Washington foi alçado ao cargo máximo, sendo ministro das Relações Exteriores do Brasil de janeiro de 2015 a maio de 2016.

Após o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, Mauro Vieira foi nomeado chefe da representação permanente do Brasil nas Nações Unidas, onde ficou até o fim do governo Michel Temer. Vieira, inclusive, foi um dos poucos ministros do governo Dilma que formalmente transferiram o cargo após o impeachment, buscando demonstrar a perenidade do Itamaraty como instituição de Estado. Também para evitar danos à imagem da instituição e a imagem de “caça às bruxas”, Temer nomeou Vieira para um posto importante após ele deixar a chefia do Itamaraty nas mãos de José Serra.

Além de diplomata experiente de carreira, Mauro Vieira também possui bom trânsito no Congresso Nacional, com boas relações com diversas lideranças políticas. São três aspectos que sustentam seu favoritismo ao cargo. Sua experiência, seu trânsito político, já citados, e sua boa relação com Celso Amorim. O ex-chanceler, recordista de permanência no cargo, é o principal conselheiro de Lula nessa seara. E foi Amorim que teve Mauro Vieira como braço direito em sua gestão, ocupando as duas importantes embaixadas citadas durante a chefia de Amorim no ministério.

Marcar ruptura

A questão é que reconduzir Mauro Vieira ao cargo, como dito, é uma oportunidade em potencial desperdiçada. Por alguns motivos. Primeiro, impacto no cenário político interno do Brasil. Se no início da coluna mencionamos que o anúncio mais esperado é, obviamente, do nome que ocupará a Fazenda, o nome de Mauro Vieira praticamente não terá impacto na atual política brasileira. Lula é um político, eleito na mais apertada eleição presidencial brasileira com uma plataforma de frente ampla para disputar contra Jair Bolsonaro. Nesse cenário, é necessário marcar todo ponto possível.

Claro que Lula sabe disso. A questão é, em que um nome como Mauro Vieira marca uma clivagem com o governo que antecede Lula? Qual a atenção pública positiva que um nome repetido como esse atrai? Basicamente nenhuma. Em contraste, nomear uma mulher, diplomata de carreira, para chefiar o ministério causaria muito mais impacto político para Lula, inclusive dentro de seu eleitorado, que busca justamente bandeiras como representatividade e o maior distanciamento possível de Bolsonaro. Mesmo que o leitor discorde dessas bandeiras, o cálculo político existe.

O Brasil nunca teve uma mulher chefiando sua diplomacia e um anúncio desses por Lula representaria algo inédito e uma clivagem com seu antecessor após uma eleição apertada. Apenas repercussão positiva viria disso, ao contrário da indiferença que o anúncio de Mauro Vieira trará. Novamente, não se trata de desabonar o profissional Mauro Vieira e sua carreira, mas destacar que, além dele já ter tido sua chance de um lugar ao sol, trata-se de um momento político atípico. É necessário chacoalhar um pouco as coisas. E, com uma diplomata de carreira, sequer há muitos riscos nesse chacoalhar.

Enquanto o Centrão, o setor financeiro e outros atores políticos vão pressionar por nomes consagrados ou “seguros” em pastas como Fazenda ou Infraestrutura, o Itamaraty representa chance de inovar sem grandes custos políticos, já que a pasta, tradicionalmente, não faz parte do jogo partidário por poder e influência. Segundo, uma chanceler mulher teria impacto positivo no cenário político externo. O Brasil é um dos poucos países da América que nunca teve uma mulher na liderança de sua diplomacia, e isso seria feito em um momento, novamente, de mostrar distância em relação ao seu antecessor.

Renovação e mérito

Poucas coisas poderiam, ao mesmo tempo, renovar a imagem exterior brasileira e depender apenas da caneta do presidente. Um ato simples mas com enorme repercussão positiva. Hoje, países como Chile, Austrália, Suécia, Alemanha e França possuem mulheres chefiando sua diplomacia. E não se trata também de algo exclusivo de governos de esquerda. Basta lembrar da republicana Condoleezza Rice, na presidência de George W. Bush, ou da conservadora britânica Liz Truss. Terceiro, uma chanceler mulher também representaria avanços para o próprio Itamaraty.

O ministério, como muitas instituições brasileiras, ainda é bastante desigual em relação aos seus quadros, tanto na proporção de mulheres na carreira como um todo quanto na baixa proporção de avanços de carreira. Durante o Estado Novo, chegou a ser proibido o ingresso de mulheres na carreira diplomática, que existia há menos de 20 anos. Apenas em 1959 o Brasil teve uma embaixadora, Odette de Carvalho e Souza. Na época, importante frisar, era um grande avanço, inclusive em relação ao mundo, mas, desde então, o Brasil foi ficando para trás.

Se a melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se, está na hora de uma renovação feminina no ministério. Isso vai possibilitar novas ideias e novas visões sobre velhos assuntos. Isso sem mencionar questões como assédio no ambiente profissional. Em anos recentes, diplomatas foram parar até nas páginas policiais por episódios de violência contra mulheres. Tanto se sabe da importância dessa renovação que comenta-se que, mesmo que Mauro Vieira seja o nomeado, a secretaria-geral do Itamaraty, o segundo posto do ministério, será ocupada por uma diplomata mulher.

Finalmente, o quarto argumento por uma mulher na chefia da diplomacia brasileira é o mérito. Um tipo de argumento contrário ao exposto aqui na nossa coluna é o de que se deseja “nomear uma mulher apenas por ser mulher''. Não se trata de nomear uma mulher apenas por ser uma mulher, mas também por isso. O que não faltam são mulheres diplomatas de carreira com ótimos currículos, experiência em postos importantes e produção acadêmica. Muitas vezes deixadas de lado em promoções chave, criando uma bola de neve.

A coluna não vai nomear uma ou outra diplomata, para não parecer que o texto “fulaniza” a questão e para evitar injustiças ao eventualmente não citar outras profissionais que defendem os interesses brasileiros com competência e fibra. A questão é que, por mais competente que Mauro Vieira seja, ele seria mais do mesmo em um momento da política brasileira que pede justamente pela mudança e pela renovação. No caso do Itamaraty, o caminho é claro. A única dúvida deveria estar apenas na quantidade de currículos excepcionais de diplomatas mulheres ao dispor do presidente eleito.

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