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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

Urânio e petróleo

Por que tantos líderes mundiais estão visitando o Cazaquistão?

Vista interna da Mesquita Sultão Hazrat, em Astana, Cazaquistão. O islã é a religião majoritária. (Foto: Davide Mauro/Commons)

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No período de apenas uma semana, o Cazaquistão recebeu as visitas de duas importantes lideranças mundiais. No primeiro dia do mês, o presidente local Kassym-Jomart Tokayev recebeu a visita do presidente francês Emmanuel Macron e, uma semana depois, recebeu Vladimir Putin, presidente da vizinha Rússia. Isso menos de dois meses depois de se encontrar com Joe Biden, presidente dos EUA. Afinal, o que faz do Cazaquistão um país que recebe tanta atenção nos últimos meses?

O Cazaquistão é o nono maior país do mundo em área e o maior país incrustado, ou seja, sem costa oceânica, do mundo. Esse gigante tem uma população de apenas dezenove milhões de pessoas, sendo uma das densidades populacionais mais baixas do mundo. O território cazaque, além de grande, é rico em recursos naturais. Em primeiro lugar, urânio, com as segundas maiores reservas do mundo e a maior produção mundial, de longe. O Cazaquistão é responsável por 45% da produção de urânio de todo o globo.

O país também possui a décima segunda maior reserva de petróleo do mundo, maiores do que as do Brasil ou do Equador, um país que integrava a Organização dos Países Exportadores de Petróleo. O Cazaquistão também possui notáveis reservas de gás natural, ouro, terras raras e carvão mineral. Nas últimas décadas, o país tornou-se um importante centro financeiro regional e também possui enorme potencial agrícola, com estepes férteis e planas. Hoje, a agricultura ocupa 18% da mão de obra do país.

Geopolítica

Além disso, a posição geográfica do Cazaquistão na Ásia Central é de domínio, constituindo grande parte da ponte terrestre que liga China, Rússia, o planalto iraniano e o subcontinente indiano. Diversos e importantes projetos de infraestrutura passam por seu território, como oleodutos e ferrovias que ligam a China à Rússia. Outros projetos são importantes para a integração regional, herança do período soviético, quando Rússia e as cinco repúblicas da Ásia Central eram todas parte do mesmo Estado.

Um termo por vezes batido e banalizado ao se comentar política internacional nos tempos atuais é “geopolítica”. Para alguns, tudo é “geopolítica”, ou é vendido como tal. A imprecisão terminológica se dá pelo fato de “geopolítica” soar sempre estratégico, parte de desenvolvimentos importantes, sendo que geopolítica, política internacional e relações exteriores são três conceitos diferentes. No caso cazaque, entretanto, o termo geopolítica é mais do que apropriado, dada sua importância geográfica.

Outra questão importante do Cazaquistão é o fato de cerca de 15% da população do país ser russófona e se considerar russa. A presença de uma minoria russa é parte importante do discurso da Rússia de defesa de relações mais próximas. Já explicamos aqui em nosso espaço, mais de uma vez, a Doutrina Karaganov, uma parte importante da política externa russa, que prega o direito de intervenção, até mesmo armada, para a proteção de minorias russas em países vizinhos pós-soviéticos.

Essa doutrina é parte importante de diversos dos eventos recentes da política externa russa: a guerra com a Geórgia em 2008, a anexação da Crimeia em 2014 e a invasão da Ucrânia em 2022. Em 2021, a Rússia foi o segundo maior destino de exportações cazaques e a maior origem das importações, com 38% do volume total. Esses números, entretanto, devem estar defasados pelos dois anos recentes, agravados pela guerra, e a presença chinesa na economia cazaque certamente aumentou.

Rússia e Cazaquistão também fazem parte da mesma aliança militar, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva, que reúne seis países. O governo Tokayev, em janeiro de 2022, invocou o tratado e solicitou ajuda russa para reprimir os protestos que assolavam o país. Milhares de militares russos entraram no país para cuidar da segurança da infraestrutura e de prédios governamentais, “liberando” as forças locais para reprimir os manifestantes. No total, foram mais de duzentos mortos e milhares de detidos.

Parte dessa infraestrutura crítica inclui o cosmódromo de Baikonur, o maior espaçoporto do mundo, uma propriedade russa em território cazaque arrendado até 2050, construído em tempos soviéticos. É dali que partiram algumas das mais importantes missões espaciais da História, como a da Yuri Gagarin, em 1961, e a maior parte das missões de montagem da atual Estação Espacial Internacional. Outra importância da localização geográfica do Cazaquistão e da relação com a Rússia.

Parcerias e relações

Com todas essas informações em mente, podemos rever as visitas e contatos de lideranças que citamos no início da coluna. O governo Tokayev tem como uma de suas prioridades mostrar e manter independência em relação à Rússia. Tirar do mundo a ideia de que o país é um “vassalo”, um “puxadinho” da Rússia. Isso inclui medidas políticas, melhorando relações com outras potências; medidas econômicas, diversificando seus parceiros; e medidas culturais também, valorizando a identidade e o idioma cazaque.

Se a Rússia sentisse necessidade de interferir militarmente no Cazaquistão, uma invasão supostamente para proteger a minoria russa no país, em um exemplo hipotético, dificilmente o país contaria com o mesmo grau de apoio que a Ucrânia, até por sua localização. Em setembro, Tokayev, em Nova Iorque, fez parte da primeira cúpula do C5+1, reunindo os cinco países da Ásia Central e os EUA, dialogando diretamente com Joe Biden. Mesma lógica ao receber Macron ou, semanas atrás, o chanceler alemão, Olaf Scholz.

Mencionamos o idioma cazaque. Ao receber Putin nesse último dia nove, Tokayev iniciou sua fala em seu idioma nativo, não em russo, idioma que domina. O gesto de soberania pegou toda a delegação russa de surpresa, que precisou recorrer aos fones de tradução com cara de espanto. Putin também o fez, mas de maneira discreta. Foi a primeira vez que a imprensa repercutiu que um presidente cazaque não usou o idioma russo ao abrir um encontro com o presidente russo.

O interesse russo no Cazaquistão é, além de manter o aliado próximo, expandir seu papel econômico no país, diversificando seus parceiros após as sanções econômicas ocidentais após a invasão da Ucrânia. Enquanto isso, o governo dos EUA quer oferecer alternativas justamente para minar a presença russa, atingir os russos em uma área historicamente sob a influência de Moscou. No meio termo estão os chineses, que querem expandir sua presença econômica e de infraestrutura no Cazaquistão.

A China também deseja maior acesso ao mercado energético cazaque, mas tudo isso sem alienar seus aliados russos, sem uma lógica de desafio aberto como a de Washington. E Macron? A França é um dos maiores investidores diretos no Cazaquistão, com a presença de uma grande petroleira francesa nos projetos dos campos do Mar Cáspio. Franceses e russos hoje competem para ver quem vai construir os reatores nucleares que fornecerão energia elétrica aos cazaques.

Falando em reatores nucleares, a França precisa diversificar seu suprimento de urânio, para suas próprias usinas. Após os golpes militares na África Ocidental, especialmente no Níger, o suprimento francês de urânio pode ficar em risco. Hora de visitar o país responsável pela produção de 45% desse minério? O Cazaquistão pode parecer apenas um país exótico e distante para muitas pessoas, mas, em um mundo cada vez menor e competitivo, é certamente uma “bola da vez” dos próximos anos.

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Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise

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