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Seis dos 18 candidatos à presidência do Peru participam de debate televisionado em Lima, 30 de março
Seis dos 18 candidatos à presidência do Peru participam de debate televisionado em Lima, 30 de março| Foto: SEBASTIAN CASTANEDA / POOL / AFP

Existem corridas eleitorais imprevisíveis e existe o cenário da próxima eleição peruana. Nossos vizinhos vão às urnas no próximo domingo, dia 11, eleger o novo ocupante da cadeira presidencial e os 130 congressistas nacionais. Com dezoito candidatos à chefia do executivo, a eleição lembra, levemente, o pleito brasileiro de 1989, quando, na ressaca da redemocratização, uma enorme quantidade de candidatos se apresentou. Algo único ao atual pleito peruano, entretanto, é o fato de seis candidaturas estarem empatadas nas pesquisas da véspera da eleição.

O Peru também passa por uma espécie de “ressaca” política. Desde o fim do mandato do ex-presidente Ollanta Humala, em julho de 2016, o país teve quatro presidentes em menos de cinco anos. Pedro Pablo Kuczynski, vencedor das eleições de 2016, sofreu impeachment em março de 2018, por supostas propinas recebidas da construtora brasileira Odebrecht. Seu sucessor, o vice-presidente Martín Vizcarra, foi afastado pelo Congresso em novembro de 2020, por “incompetência moral”, um mecanismo legislativo do século XIX, muito provavelmente devido uma queda de braço entre Vizcarra e congressistas fujimoristas.

Atores políticos peruanos, tanto da esquerda quanto da direita, afirmaram que Vizcarra sofreu um golpe legislativo contra suas propostas de reformas, em um contexto bastante turbulento no Peru. Denúncias de corrupção, protestos nas ruas, efeitos da pandemia do coronavírus, um caldeirão de fatores. Vizcarra foi sucedido pelo então chefe do Congresso, Manuel Merino, que nomeou políticos “linha-dura” para postos-chave e ordenou a repressão dos protestos. Após a morte de dois manifestantes, Merino renunciou, após apenas cinco dias como presidente peruano.

Ele foi sucedido pelo novo chefe do Congresso, Francisco Sagasti, um centrista que, desde o início, afirmou que seria um tampão, conduzindo o país na tempestade da pandemia até as eleições. Além das disputas políticas que renderam os vários afastamentos, outro fator para a ressaca política peruana é o alto número de denúncias de corrupção. Os últimos quatro presidentes eleitos estiveram sob investigação e chegaram a ser detidos. Antes deles, a ditadura fujimorista. Tanto Alberto Fujimori quanto seus filhos são suspeitos de corrupção, incluindo sua filha Keiko Fujimori, presidenciável.

Candidaturas

Ela é uma das seis pessoas empatadas na média das últimas pesquisas eleitorais. Todos os seis alternam entre 7% e 11% das intenções de voto, ou seja, um empate técnico, considerando as margens de erro. Os dois mais votados vão ao segundo turno, num modelo similar ao brasileiro. A congressista Keiko Fujimori, de 45 anos, foi derrotada por pouco nas duas últimas eleições e lidera, desde 2010, o Força Popular, cujo símbolo é a letra K de seu nome. Sua pauta é o fujimorismo, uma amálgama de conservadorismo social, liberalismo econômico, nacionalismo, populismo e fisiologia.

Outra candidata mulher no empate também é congressista, mas é o total oposto de Keiko. Verónika Mendoza, 40 anos, é candidata pela coalizão entre o Juntos pelo Peru e o Novo Peru, partidos social-democratas e ambientalistas. Ela teve carreira acadêmica e se declara uma admiradora de José Carlos Mariátegui, jornalista e filósofo marxista peruano do início do século XX. Os escritos dele são de grande influência para os movimentos de extrema-esquerda peruanos, como o Sendero Luminoso. Por isso, ela é frequentemente acusada de “apoiar o terrorismo” e demais sensacionalismos eleitorais.

As duas candidatas jovens são acompanhadas pelo empatado mais jovem, George Forsyth, de 38 anos de idade. É possível que algum leitor pense que já ouviu esse nome antes. Forsyth foi goleiro do Alianza Lima por mais de dez anos, um dos clubes de futebol mais populares e bem-sucedidos do Peru, e enfrentou times brasileiros em sua carreira. Filho de um diplomata peruano e uma Miss Chile, ele nasceu em Caracas e teve uma infância e adolescência bastante confortável. Seu partido, o Vitória Nacional, é uma dissidência moderada do conservador evangélico Restauração Nacional.

Todos os partidos citados são novos ou centrados em lideranças jovens. Esse é outro sintoma da ressaca política peruana. Apenas um dos partidos tradicionais está nessa liderança empatada, o Ação Popular, liberal com algumas pautas progressistas, quase um “centrão” peruano. Fundado em 1956, terá como candidato Yonhy Lescano, 62 anos, congressista de 2001 a 2019. Ele venceu as primárias do partido com mais de 60% dos votos e, como bom representante do “centrão”, possui posturas maleáveis em temas como privatização de estatais e casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Outro ator mais tradicional da eleição é Hernando de Soto, o candidato mais velho, aos 79 anos de idade. Economista liberal com carreira acadêmica, ele é candidato pela primeira vez, pelo Avança País, de direita. Soto é um estreante, mas não um neófito, sendo figura da política peruana desde os anos 1980. Era o principal conselheiro econômico do então candidato Mario Vargas Llosa, participou dos debates para a elaboração da constituição de 1993 e, embora tente apagar isso de seu passado, foi também ator político do fujimorismo, ao ponto de apoiar Keiko nos pleitos de 2011 e de 2016.

Fecha o mega empate o candidato Rafael López Aliaga, de 60 anos, do Renovação Popular, fundado ano passado, populista de direita. A plataforma do partido é centrada em questões sociais, como a oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, a regulamentação do aborto de gestação e a “ideologia de gênero”. Além dos seis empatados, outros candidatos de destaque são Ollanta Humala, ex-presidente, e César Acuña, representando o Aliança para o Progresso. Outro fator de complicação é o fato de que um quarto das respostas são voto branco ou “não sei”.

Em um cenário como esse, de amplo empate nas pesquisas, com atores políticos tanto jovens quanto tradicionais, num contexto de ressaca política nacional, é impossível e irresponsável fazer qualquer tipo de previsão. Por um lado, torna a corrida eleitoral surpreendente e interessante de acompanhar. Por outro, é mais incerteza no país vizinho, mais dúvidas e a certeza de um segundo turno extremamente agressivo, com duas candidaturas precisando seduzir diferentes eleitorados. Infelizmente, seria otimismo acreditar que apenas a eleição será a solução para o Peru no curto prazo.

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