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Foto oficial de Christopher Krebs, ex-chefe da Agência de Segurança Cibernética e Infraestrutura (Cisa) do governo dos Estados Unidos.
Foto oficial de Christopher Krebs, ex-chefe da Agência de Segurança Cibernética e Infraestrutura (Cisa) do governo dos Estados Unidos.| Foto: United States Department of Homeland Security

Christopher Krebs. Se o leitor no Brasil nunca ouviu falar desse nome, talvez seja a hora de começar a prestar-lhe mais atenção. De 2018 a 2020, Chris Krebs – como costuma ser mais conhecido – esteve no comando da Agência de Segurança Cibernética e Infraestrutura (Cisa), abrigada no Departamento de Segurança Nacional (DHS) dos EUA. Foi durante o período de Krebs à frente da Cisa que ocorreu no aeroporto internacional de Vancouver (Canadá) a prisão de Meng Wanzhou, alta executiva da Huawei, a famigerada empresa chinesa de telecomunicações, principal fornecedora mundial de tecnologia 5G.

Integrante da assim chamada “realeza” do Partido Comunista Chinês (PCCh), Meng vinha sendo investigada pelo governo americano por suspeitas de que a Huawei violara as sanções impostas ao Irã, ao transferir clandestinamente, via uma empresa de fachada, milhões de dólares em fundos para o país dos aiatolás. Além disso, desde ao menos 2012, quando um Comitê de Inteligência da Câmara dos Deputados dos EUA concluíra que ela representava riscos à segurança nacional, a empresa já vinha sendo apontada como suspeita de praticar espionagem e ciberterrorismo para o governo chinês. Os indícios se acumularam justamente durante a direção de Krebs do setor de segurança cibernética.

Em junho de 2017, por exemplo, meses antes de Krebs assumir o posto, a China passou uma nova legislação sobre inteligência e segurança. O artigo 7 da Lei de Inteligência Nacional estabeleceu que todos os cidadãos, empresas e organizações deveriam, sem exceção, “dar suporte, assistência e contribuição ao trabalho de inteligência nacional, bem como armazenar os dados de inteligência de que fossem detentores”. Isso significava que todas as empresas chinesas, fossem abertamente estatais ou ficticiamente privadas, passam a ter o dever de colaborar com a monumental rede de inteligência do PCCh.

Do dia para a noite, o emissor de uma opinião “errada” passou a ser considerado pelo deep State americano um subtipo de terrorista, como quem bombardeasse hospitais, instalações militares ou indústrias

Em dezembro de 2018, o então diretor-assistente de contrainteligência do FBI, Bill Priestap, declarou ao Congresso americano: “Essa legislação provê ao governo chinês acesso irrestrito aos dados de usuários de qualquer empresa de telecomunicação ou cibercomunicação, dados dos quais as autoridades podem dispor como bem entendam”. Na qualidade de “campeã nacional” eleita pelo regime comunista chinês, a Huawei era obviamente uma peça crítica do esquema global de espionagem. Mas o novo diretor da Cisa julgava que a ameaça era bem mais grave e extensa do que se podia imaginar. “O problema não se resume apenas à Huawei. Ele inclui a China Mobile, a China Telecom, a China Unicom” – disse Krebs. “Essas empresas são obrigadas a entregar ao governo chinês todos os dados de que dispõem.”

Essa última afirmação de Krebs, resumo perfeito do que é um Estado totalitário, para o qual não há vida privada, revela-se perturbadora se a comparamos ao que disse recentemente Elon Musk, dessa vez não em relação à ditadura chinesa, mas aos EUA, outrora reconhecidos como o modelo mundial de democracia e direitos individuais. Em entrevista ao jornalista Tucker Carlson, o novo dono do Twitter disse com todas as letras que o governo americano tinha amplo acesso aos dados da rede social, incluindo as mensagens privadas (as direct messages) entre os usuários. Mas o mais perturbador é saber que um dos grandes responsáveis pela importação do modelo chinês para a América foi justamente... o próprio Chris Krebs. Formalmente designado para combater o esquema de espionagem da China, Krebs parece ter decidido aprender com ele. Vejamos.

Como diretor da Cisa, Krebs foi protagonista do esquema interno de censura contra cidadãos americanos que abordassem temas politicamente inconvenientes, como críticas às políticas sanitárias relativas à Covid-19, menções à história do laptop de Hunter Biden e questionamentos à integridade das eleições de 2020, um esquema que começou a ser revelado com o escândalo dos Twitter Files. Um ano antes da assunção de Krebs à frente da Cisa, o secretário do DHS Jeh Johnson, indicado por Barack Obama, havia criado o instituto formal da censura doméstica. A informação foi publicada no portal The Intercept, que teve acesso a documentos vazados da agência. Um relatório interno do DHS enquadrava qualquer postagem que a agência considerasse “desinformativa” em relação ao processo eleitoral na categoria de ataque cibernético a uma “estrutura crítica” do Estado norte-americano. Em outras palavras: do dia para a noite, o emissor de uma opinião “errada” passava a ser considerado pelo deep State americano um subtipo de terrorista, como quem bombardeasse hospitais, instalações militares ou indústrias.

Seguindo as novas diretrizes do DHS, Krebs declarou em 2020 que a “desinformação” relativa ao processo eleitoral constituía um ataque à segurança nacional. Mas o conceito de “desinformação” de Krebs é bastante peculiar. Em abril de 2022, ele continuava a afirmar que a história do laptop de Hunter Biden era desinformação russa, e que foi importante a imprensa e as redes sociais terem coibido a discussão sobre o assunto ao longo do ciclo eleitoral de 2020. E também defendia a censura dos críticos ao protocolo governamental contra a Covid-19.

Além de diretor da Cisa, Krebs foi também presidente da “Comissão sobre Desordem Informacional”, uma curiosa organização abrigada no Instituto Aspen, organização sem fins lucrativos cujo objetivo declarado é criar “uma sociedade livre, justa e igualitária”. Em seu website, a referida comissão (que tem entre os membros o príncipe Harry, mais conhecido como marido de Meghan Markle) descreve seu propósito com estas palavras: “Esta iniciativa busca identificar e priorizar as fontes e as causas mais críticas de desordem informacional, oferecendo uma série de ações de curto prazo e metas de longo prazo para auxiliar o governo, o setor privado e a sociedade civil a lidarem com a crise contemporânea de fé nas principais instituições”. Em novembro de 2021, a entidade publicava um documento intitulado “Relatório Final da Comissão sobre Desordem Informacional”.

(O leitor atento certamente se lembra de que essa mesma expressão, “desordem informacional”, foi usada pelo ministro Ricardo Lewandowski para justificar a censura do TSE à produtora Brasil Paralelo, por causa de vídeos sobre a corrupção do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, que Lewandowski e seus colegas queriam proteger. Com a expressão, o tribunal referia-se a um tipo de “desinformação” que, embora veiculasse notícias verdadeiras, conduzia o público a extrair uma conclusão indesejável. Tão indesejável quando concluir tratar-se de um pato a criatura que tenha bico de pato, pé de pato, pena de pato e faça quá-quá.)

Houve um estreito conluio entre agências governamentais, instituições acadêmicas, ONGs, redes sociais e o Partido Democrata para censurar cidadãos a respeito de vários assuntos

Tanto a “Comissão sobre Desordem Informacional” quanto o tal Instituto Aspen, que a sedia, integram uma vasta rede de organizações e iniciativas que, sob o pretexto de combater as “fake news” e o “discurso de ódio”, têm como único propósito controlar politicamente o fluxo de informações e opiniões na internet. Agindo de maneira finamente coordenada, essa rede construiu uma sofisticada engenharia de censura, que inclui suas próprias campanhas de desinformação e assassinato de reputação de opositores. A complexa engrenagem começou a ser destrinchada há alguns dias pelo jornalista Michael Shellemberger, em depoimento a um comitê da Câmara dos Deputados dos EUA que investiga o uso das estruturas do governo federal para a perseguição política, e, especificamente, o papel do deep State americano no fomento à censura doméstica e a operações de infowar lançadas entre 2016 e 2022.

Ao lado de seus colegas Matt Taibbi e Bari Weiss, Shellemberger foi um dos primeiros jornalistas a acessar em primeira mão os Twitter Files, recebidos diretamente de Elon Musk. Os documentos revelam um estreito conluio entre agências governamentais, instituições acadêmicas, ONGs, redes sociais e o Partido Democrata para censurar cidadãos a respeito de vários assuntos, incluindo a origem do Sars-CoV-2, a eficácia e a segurança das vacinas, o laptop de Hunter Biden, a integridade eleitoral, as mudanças climáticas, os combustíveis fósseis, entre outros.

Em seu depoimento no Congresso norte-americano, Shellemberger descreve detalhadamente o que chamou de “complexo industrial da censura”, por ele definido como “uma rede de instituições governamentais, não governamentais e acadêmicas ideologicamente alinhadas, que descobriram nos últimos anos o poder da censura para proteger os próprios interesses contra a volatilidade e os riscos do processo democrático”. Voltaremos ao tema – a e Chris Krebs – no artigo da semana que vem.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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