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Flavio Morgenstern

Flavio Morgenstern

Anarco-tirania

A polícia não age no Rio porque está muito ocupada caçando fake news

Veículo incendiado no Rio de Janeiro durante megaoperação contra o Comando Vermelho. (Foto: Antonio Lacerda / EFE)

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No meio de uma operação policial que deixou cerca de 100 mortos entre traficantes e… bem, outros traficantes no Rio de Janeiro, o rapper Oruam, filho de Marcinho VP, viralizou com uma curiosa frase, conforme reproduzida por Mônica Bergamo, colunista da Folha de São Paulo: “Se tirar o fuzil da mão, existe o ser humano” (sic).

Enquanto o Rio de Janeiro vivia o violento clichê do “cenário de guerra”, Filipe Martins, o ex-assessor de Bolsonaro, era obrigado a dar explicações, no prazo de 5 dias, a Alexandre de Moraes, que questionou por que sua tornozeleira eletrônica deixara de funcionar por dois minutos por falha do sinal de GPS.

Aquele mesmo Filipe Martins preso por uma viagem que não fez, que não seria crime se tivesse feito, e que a Polícia Federal alega que ele fez para fugir às consequências de algo ocorrido depois da viagem. Como a Polícia Federal também precisava explicar a aparição de uma entrada falsificada de entrada de Filipe Martins nos EUA, 4 meses depois de preso, a corporação agora respondeu, pelas mãos do delegado Fábio Schor, que Filipe teria falsificado sua própria entrada nos EUA (esquecendo-se de falsificar sua saída e reentrada no Brasil, mas whatever), e ainda teria falsificado a sua própria entrada já dentro da cadeia, apenas para ser preso por uma viagem que não seria crime e fugindo a um suposto golpe de Estado ocorrido depois da viagem, já sabendo que o golpe não daria certo e seria acusado por isso (ufa).

Talvez fosse mais conveniente dizer que o registro falsificado da entrada de Filipe Martins teria aparecido nos EUA por brotamento. Mas isso seria exigir biologia demais de quem não entende mais nem o que é um XY.

Repetindo: Filipe Martins, após toda essa trama (algum teórico da conspiração poderia aventar a hipótese de ele ter sido preso ilegalmente apenas para se forçar uma delação premiada - sabe como são esses desinformantes na internet), teve de, no mesmo dia do caos no Rio de Janeiro, explicar 2 minutos de falta de funcionamento de sua tornozeleira eletrônica à Sua Excelência Alexandre Democracia de Moraes. 

Já pensou se tratássemos os bandidos do país com 0,0001% do rigor dispensado a Filipe Martins? 

Mônica Bergamo, por exemplo, deu destaque à frase de quem está por trás do fuzil. 

Imagine-se falar de armamento civil super light, como a “gauchinha” que Lula alegava usar nos anos 80, dizendo que as pessoas - ou melhor, os bolsonaristas, como gosta de relatar a mídia - por trás da vontade de possuir armas para proteger sua família são “seres humanos”. Será que colaria?

Desde 2020, a anarco-tirania tornou-se modelo de implementação global de obediência

Fiquemos em um exemplo. Quando Charlie Kirk foi assassinado, a Folha de S.Paulo, da mesma Mônica Bergamo, estampou a manchete: “Kirk morreu baleado; apoiadores defendem porte de armas” (sic). É algo como noticiar: “Bolsonaro levou uma facada; apoiadores defendem usar facas”, ou “Teori Zavascki morreu em um acidente de avião; lavajatistas continuam a usar aviões”. 

Também é divertido notar o exemplo de, digamos, filosofia que a colunista da Folha deu destaque. “Por trás do fuzil, existe o ser humano”. Que tal “Por trás do batom da Débora, existe uma mãe de família”? O que acham de lembrar que, por trás do Clezão, existe uma família que chora pelo pai, enquanto seu algoz se acha vítima comendo lagosta paga com dinheiro público todo dia? Não seria mais bonito lembrar que, por trás de cada vítima de traficantes que usam fuzis (fuzis!) para aterrorizar a população inocente, existem seres humanos mortos pelo “crime” de viver em áreas dominadas por criminosos que agem pela força e pelo terror? Até por trás daquele bigodinho austríaco, do Kim-Jong un ou do Chico Picadinho existe um “ser humano”. Dane-se, bela porcaria, passar bem.

Sam Francis cunhou, nos anos 80, o conceito de anarco-tirania. Parece algo contraditório. Tendemos a ver tiranias como regimes cumpridores de uma vontade única e autoritária, o que parece (e apenas parece) contraditório com uma anarquia, onde não há lei nem ordem nenhuma.

Francis mostrou que a contradição é apenas aparente. Basta pensar na Chicago daquela época: gangues dominando as ruas, e uma polícia torrando tempo com burocracias e impostos.

O novo modelo de autoritarismo ocidental nada tem a ver com tanques e golpes militares. Pelo contrário, é burocrático e controlador às minudências... mas apenas para aquilo que afete o imenso poder dos novos déspotas de plantão. O caos social do crime, da moral pública cambiante, do culto à feiúra, da blasfêmia escarrada e da vida sendo menosprezada são a própria justificativa para a nova autocracia.

A história do século XXI, nos países chamados democráticos, é a história da anarco-tirania. A angústia e o desespero com notícias sobre fatos (ou mentiras) que não podemos controlar espalha-se igualitariamente entre esquerda e direita, favorecendo um poder cada vez mais concentrado e mais afastado do povo.

O Ocidente é uma terra de preocupação monomaníaca com o aquecimento global (depois renomeado às pressas de “mudanças climáticas”, quando se viu que o planeta não estava esquentando - e como se o clima mudando o tempo todo não fosse o normal cósmico) enquanto se tem tolerância psicótica com o Black Lives Matter. A aniquilação cada vez mais violenta do cristianismo, sob nomes bobos como “extrema direita”, “obscurantismo” ou “visão anti-cienfífica”, logo vem acompanhada de um “Refugees welcome” defendendo a ocupação populacional muçulmana - a hégira - que marca o próprio início do calendário islâmico. Mesmo criticar máquinas de contagem de votos torna-se um “golpe antidemocrático”, valendo-se da “honra” dos computadores. Até “discurso de ódio eleitoral” (sic) já foi citado.

A esquerda quer tratar fake news como crime, mesmo sem definir o que é fake news - e mesmo verdades incômodas ao regime sendo tratadas como “desinformação” ou “ataque” às instituições. Segundos depois, como o projeto de Talíria Petrone, quer proibir uso de helicópteros e drones em operações policiais contra zonas de traficantes. Melhor não perguntar se a deputada do PSOL pensa o mesmo sobre os dois minutos sem sinal de GPS da tornozeleira de Filipe Martins. 

No dia anterior à operação contra as áreas de domínio a base de fuzil do tráfico, duas pessoas foram assassinadas, incluindo uma idosa. Nenhum muxoxo de tristeza de eleitores do PSOL.

Desde 2020, a anarco-tirania tornou-se modelo de implementação global de obediência. Deve-se ter medo de o vizinho espirrar - ou existir - e de discordar de políticas públicas (obviamente, apenas críticas a governos de esquerda são criminalizadas). Já a censura, a invasão de privacidade, as buscas e apreensões, as prisões políticas - tudo isso deve ser incorporado ao rol de “democracia militante” ou “defensiva”.

Toda a tirania contra pessoas que sejam um óbice ao poder absoluto do sistema. Toda a anarquia para quem usa fuzis como um meio de controle sobre outras pessoas.

Resta a pergunta a jornalistas, políticos e esquerdistas em geral: por trás de Filipe Martins, da Débora do batom e de quem quer auditoria em votos, existe um ser humano?

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