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Francisco Escorsim

Francisco Escorsim

Como investigar um crime

O que o assalto ao Louvre revela sobre a natureza humana

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O assalto ao Louvre está sendo investigado pelos melhores no ramo. (Foto: Imagem criada utilizando Whisk e ChatGPT/Gazeta do Povo)

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E o assalto no Louvre? Fiquei a imaginar uma história em que Maigret é chamado para investigar e lá encontra dois sujeitos bancando os detetives.

Um era magro, fumava um cachimbo apagado (é proibido fumar no museu), examinando cada milímetro do chão com uma lupa que parecia ter saído de um mercado das pulgas. Murmurava coisas como “observe a curvatura da marca de pneu, meu caro Watson” para um sujeito que não era Watson, mas Lucas, o policial que havia ligado para Maigret.

Lucas estava atarantado, sem entender nada, também porque o outro, um baixote com um bigode ridículo, caminhando em círculos ao redor das vitrines vazias, tocando o queixo e parecendo que ia ter um derrame a qualquer momento, perguntava-lhe se não havia notado algo de estranho, um cheiro? Um som? Uma vibração?

Maigret, suado, com um casaco que tinha visto dias melhores, sentia a irritação surda crescer dentro dele. “Há quanto tempo não vê a condessa Rossakoff, senhor Poirot?” O baixote, surpreso, sem responder, perguntou como Maigret sabia quem ele era.

“Vocês dois, senhores, estão aqui porque acreditam que o roubo do Louvre é um quebra-cabeça intelectual. Mas não é.”

“Interessante”, pensou Sherlock, aproximando-se da conversa. Ao perceber que iria falar, Maigret foi mais rápido, perguntando-lhe: “E Irene Adler, Holmes, nunca mais a viu mesmo depois da Boêmia?” Um leve tremor da pálpebra de Sherlock quase o entregou, mas se conteve. “Inspetor Maigret, suponho?”

“Sim”, confirmou Maigret, puxando uma cadeira e sentando-se pesadamente, como quem sabe que vai ficar ali por um tempo. “E vocês dois, senhores, estão aqui porque acreditam que o roubo do Louvre é um quebra-cabeça intelectual. Mas não é.”

Poirot parou de caminhar em círculos. Holmes baixou sua lupa. Lucas, o policial confuso, finalmente respirou aliviado, enfim alguém estava tomando conta da situação. “O roubo do Louvre”, continuou Maigret, acendendo um cigarro (sim, no museu, e ninguém ousaria reclamar), “não é sobre fibras microscópicas ou células cinzentas ou psicologia da ordem. É sobre um homem. Um único homem que conhece alguém que trabalha aqui.”

“Dedução elementar”, murmurou Holmes, mas havia algo diferente em sua voz. A arrogância diminuíra. “Não é dedução”, retrucou Maigret. “É experiência. Alguém fala. Alguém sempre fala.” Poirot, intrigado, perguntou: “E quem falaria neste caso, Inspetor?”

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Maigret sorriu, aquele sorriso cansado de quem viu muita coisa. “O mesmo que sempre fala. O cúmplice que se arrepende. O amigo que não aguenta guardar o segredo. O namorado que quer impressionar a mulher. Alguém vai entrar num bistrô, vai beber um vinho a mais, e vai contar a história para alguém que conhece alguém que conhece a polícia.”

Holmes se aproximou. “Você está sugerindo que não investiguemos o crime, mas sim as pessoas?”, fingindo certa indignação. “Vocês procuram por indícios, por lógica, quando deveriam procurar pelo humano, que nunca é perfeito.” Houve um silêncio. O tipo de silêncio que só acontece quando alguém diz um clichê que é a mais pura verdade.

“Irene Adler”, continuou Maigret, olhando para Holmes, “não desapareceu porque você foi inteligente demais. Desapareceu porque você foi humano demais. Ela viu que você a amava, e isso a assustou mais do que qualquer perseguição. Então ela fugiu. Não de você, Holmes. De si mesma”. Holmes virou-se para a janela. Seu reflexo no vidro mostrava um homem envelhecido, cansado.

“E você, Poirot”, disse Maigret, “passou anos procurando por Vera Rossakoff em cada criminosa sofisticada que encontrava. Porque você também tinha medo. Medo de que ela tivesse realmente desaparecido. Medo de que o amor não fosse suficiente para mantê-la perto de você”.

“Alguém sempre fala. O mesmo que sempre fala. O cúmplice que se arrepende. O amigo que não aguenta guardar o segredo. O namorado que quer impressionar a mulher.”

Poirot tocou seu bigode, um gesto nervoso que Maigret reconheceu. “Vocês dois”, continuou o inspetor francês, “são homens brilhantes. Mas, às vezes, o crime é resolvido não porque você é mais inteligente que o criminoso, mas porque você entende melhor a natureza humana”. Outro clichê, de novo no alvo.

Lucas, ainda confuso, perguntou timidamente: “Então... como resolvemos o roubo do Louvre?” Maigret se levantou, pesadamente, sem nada responder. Holmes, ainda olhando pela janela, perguntou: “E se ninguém falar?”

“Alguém sempre fala”, respondeu Maigret. Poirot, finalmente sentando-se, perguntou: “Você realmente acredita que é assim tão simples?” “Não é simples”, disse Maigret. Houve outro silêncio. “Bem”, disse Holmes, guardando sua lupa, “suponho que deveríamos ir embora então”. Poirot, concordando, disse: “Suponho que sim”. Maigret apenas acendeu outro cigarro, grunhindo para Lucas: “Vamos, preciso de um calvados”.

P.S.: às vezes, leitor, o cronista escreve para si. Releve, se desconhece os personagens.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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