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Silas Malafaia e Jair Bolsonaro em manifestação.
Após ser chamado de “porcaria de líder” por Malafaia, Bolsonaro disse amar o pastor e apontou que “ninguém critica mulher feia”.| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.

O leitor deve estar a par das críticas que o pastor Silas Malafaia fez a Jair Bolsonaro depois do resultado do primeiro turno das eleições de 2024, chamando-o de “porcaria de líder”. Como o caso é sintomático, acho que vale a pena retomar o que apontei em 2018, recordei na coluna da semana seguinte ao famigerado 8 de janeiro de 2023, assim como na coluna de semanas atrás sobre o fenômeno do “coringamento” da direita. Pois peço licença e desculpa, mas vou repetir o que vale a pena ser repetido de novo:

“A verdadeira ‘nova direita’ estava e ainda está nas grandes manifestações populares de 2013 em diante: uma massa informe cansada de ser tutelada pela classe política, seja de esquerda ou direita, mas incapaz de se expressar direito, não sabendo bem o que quer porque não sabe nem sequer contar a história direito de como chegamos aonde chegamos.”

Por isso, considero que a votação expressiva de Pablo Marçal em São Paulo e de Cristina Graeml em Curitiba diz menos dos candidatos que dos seus eleitores. Não foram por suas qualidades ou propostas que ambos receberam tantos votos, mas por seu discurso disruptivo contra o sistema político ser o que esperam os eleitores da direita, tal como Bolsonaro fez um dia e se tornou quem se tornou justo por isso.

A quem Bolsonaro deve mais lealdade: aos políticos de quem depende para sobreviver no sistema ou aos eleitores que o colocaram lá?

É por saber disso – aliás, por não esquecer disso – que Bolsonaro ficou em cima do muro agora, não embarcando de fato nas campanhas de seus próprios candidatos nas duas capitais por ter outros que melhor abraçaram aquele discurso “raiz”. A quem Bolsonaro deve mais lealdade: aos políticos de quem depende para sobreviver no sistema ou aos eleitores que o colocaram lá?

Bolsonaro está tentando ser fiel a ambos até onde for possível. Em São Paulo, deve estar aliviado, pois, sem Marçal, pode “entrar de cabeça” na campanha, como andou dizendo. E em Curitiba? Provavelmente manterá a postura do primeiro turno, distante, jogando dos dois lados, tentando não se comprometer com ninguém para, no fim, manter ambos os lados dependendo do seu apoio, ganhe quem ganhar.

A crítica de Malafaia tem a ver com a falta de lealdade do ex-presidente a seus aliados políticos do momento. Mas e os eleitores, os “liderados”, pastor? Essas mesmas alianças significam também uma infidelidade a eles, aos valores e princípios que alçaram Bolsonaro ao posto de liderança maior da direita. A pergunta acima se volta a Malafaia, portanto: “a quem Bolsonaro deve mais lealdade: aos políticos de quem depende para sobreviver no sistema ou aos eleitores que o colocaram lá?”

O tal do Centrão sempre foi visto como inimigo por aquela “nova direita” parida em 2013, nada disso mudou no sentimento e entendimento deste eleitor. Tanto não mudou que está aí a votação dos dois candidatos, Marçal e Graeml, conseguida sem nenhum apoio do sistema político. Se Malafaia quer que Bolsonaro se posicione claramente a favor dessa composição com o sistema contra o qual até anteontem lutava, precisam ambos explicar ao eleitor por que, agora, isso seria bom. Afinal, este mesmo sistema é diretamente responsável pela carta branca dada a Alexandre de Moraes fazer o que vem fazendo.

Voltando ao início: se para entender é preciso descrever um fenômeno, mais ainda para julgar seus atores. O que se revela das posturas de Bolsonaro e Malafaia é o drama estrutural da “nova direita”: não tem como se eleger sendo contra o sistema e depois governar com o mesmo sistema. Ou essa direita é revolucionária e derruba o sistema, substituindo-o, ou será engolida pelo sistema. Se Marçal fosse eleito ou se Graeml for eleita, enfrentaria e enfrentará este mesmo dilema.

Mas como fazer essa revolução? Nesta semana assisti a uma entrevista do deputado Luiz Philippe de Orléans e Bragança falando sobre isso, defendendo ser preciso uma nova Constituição Federal. OK, mas como isso seria conquistado? O uso da força e da violência seria admissível? Aquele povo acampado em frente aos quartéis esperando uma intervenção militar mostrou que tem quem esteja disposto a “quebrar os ovos pra fazer a omelete”. Há Fidéis Castro e Che Guevaras nas lideranças de direita dispostos a tanto?

O que se revela das posturas de Bolsonaro e Malafaia é o drama estrutural da “nova direita”: não tem como se eleger sendo contra o sistema e depois governar com o mesmo sistema

Bolsonaro ficou no meio do caminho. No discurso, conduziu a direita pelo caminho revolucionário, mas, na “hora H”, recuou. Se isso é bom ou não, se o caminho revolucionário deveria ser o da direita, não sei, nem é meu ponto aqui, apenas tento descrever o que vejo. E o que vi é que Bolsonaro deixou aquelas pessoas acampadas diante de quartéis, antes do fim do seu mandato, esperando o que ele sabia que não aconteceria. Uma palavra sua teria desmobilizado aquelas pessoas. Mas preferiu usá-las para negociar politicamente, não as liderando para lugar algum, salvo involuntariamente para a prisão, dado o que aconteceu como consequência da frustração: a quebradeira inócua no fatídico 8 de janeiro de 2023.

Com as alianças do PL, fica claro que o caminho escolhido por Bolsonaro foi o da capitulação ao sistema, mas o “ficar em cima do muro” nestas eleições mostra também que sabe que não pode abrir mão da outra opção, que segue viva e com bastante força no seu eleitorado. Bolsonaro precisa disso, menos para fins eleitorais do que para manter seu capital político e negociar com o sistema para não ser destruído por ele. Ou seja, Bolsonaro está agindo com seus aliados eleitorais de agora da mesma forma como agiu com seus seguidores acampados na frente dos quartéis.

Não consta que o senhor Malafaia tenha enfrentado Bolsonaro publicamente pelo abandono daqueles acampados; mas, contra a deslealdade a políticos do Centrão, aí se insurgiu, achou absurdo etc. No fim das contas, a acusação de “porcaria de líder” vale também para o próprio pastor e para todo aquele que só lidera quando lhe interessa e trai os liderados quando lhe convém.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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