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Francisco Escorsim

Francisco Escorsim

Polarização

O Brasil é mais conservador do que parece (e é uma pesquisa progressista quem diz isso!)

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A caixinha dos conservadores está mais cheia do que as pesquisas querem admitir. (Foto: Imagem criada utilizando Whisk/Gazeta do Povo)

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Eis que surge uma pesquisa diferente. Criada pelo think tank More in Common, em parceria com a Quaest, o propósito é tentar nos tirar dessa roda de samba simplória da polarização política entre bolsonaristas e petistas.

Um relatório está disponível no site da organização. Com uma base de 10.002 entrevistas (margem de erro de 1% e nível de confiança de 95%), visando apresentar um panorama mais complexo e mais nuançado, os autores dividiram a sociedade em seis segmentos ideológicos organizados em três grandes blocos: progressistas, conservadores e os chamados “invisíveis”.

No campo progressista estão os chamados Progressistas Militantes (5%) e a Esquerda Tradicional (14%). Juntos, somariam 19% da população. Já os conservadores englobariam os Conservadores Tradicionais (21%) e os Patriotas Indignados (6%), somando 27% da sociedade. Por fim, os invisíveis, a suposta maioria (54%) composta por Desengajados (27%) e Cautelosos (27%).

Uma maioria esmagadora da população se identifica como conservadora, independentemente do quanto se engaje na política

O foco da pesquisa é no grupo dos “invisíveis”. Os Desengajados foram assim chamados porque 65% não simpatizam com partido nenhum; 45% nem sequer se definem como de esquerda, direita ou centro; 30% votaram nulo, branco ou nem votaram em 2022; e apenas 15% consideram manifestações políticas importantes. Já os Cautelosos têm um nível de desengajamento menor, embora ainda considerável: apenas 26% consideram importante participar de manifestações políticas, por exemplo, com 45% se identificando como de esquerda e 40% de direita.

Entretanto, se nos restringirmos apenas à identificação como conservador ou progressista, os tais “invisíveis” não são tão neutros quanto pintados: 72% dos Desengajados e 81% dos Cautelosos se identificam como conservadores. Ou seja, não faz o menor sentido não incluí-los no grupo maior dos Conservadores, ao lado dos Tradicionais e dos Patriotas, que se identificaram como conservadores em 88% dos primeiros e 93% dos últimos.

Significa dizer que uma maioria esmagadora da população se identifica como conservadora, independentemente do quanto se engaje na política. Somando-se os quatro grupos, chegaria a 81% da população. Mas a porcentagem pode ser ainda maior.

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Isto porque o grupo da Esquerda Tradicional é o único em que a pesquisa não informa sobre a identificação como conservadores ou progressistas. O que é estranho, pois até para o grupo Progressistas Militantes esta informação consta – 78% deles se identificam como progressistas. Pela lógica, estando o grupo da Esquerda Tradicional colocado à direita dos Militantes, é de se supor que a porcentagem seja menor que 78%.

Mais ainda: quando atentamos aos detalhes do grupo da Esquerda Tradicional, consta que são pouco engajados também, com apenas 21% conversando sobre política. Poderiam, portanto, ser alocados no grupo dos “invisíveis” Desengajados e Cautelosos. Aliás, faria mais sentido pelos resultados apresentados. Mas, se isso fosse feito, deixaria evidente que o grupo dos progressistas engajados seria muito pequeno.

Lendo como a pesquisa tem sido noticiada por alguns órgãos de imprensa, constata-se que perceberam isso, que o grupo dos “Progressistas Militantes” é o que mais se distancia dos demais. De fato, analisando as respostas específicas das perguntas, vê-se que os demais grupos guardam mais proximidade entre si, inclusive o da Esquerda Tradicional, como se vê em alguns tópicos, como o de achar que travestis teriam direito de usar banheiros femininos: 39% dos da Esquerda Tradicional discordam disso, contra apenas 16% dos Militantes.

A classificação do grupo dos “invisíveis” se mostra problemática porque pode ser considerada como um truque para invisibilizar o conservadorismo reinante na sociedade, “picotando” este grupo

É preciso ressaltar também que as pessoas citadas como responsáveis pelo think tank são claramente dos grupos Progressistas Militantes ou Esquerda Tradicional, o que traz obviamente um viés que talvez explique as escolhas e classificações, bem como a razão pela qual a conclusão mais óbvia – o conservadorismo da maioria da população – não foi destacada.

E é aí que a classificação do grupo dos “invisíveis” se mostra problemática. Ela pode ser considerada como um truque para também invisibilizar esse conservadorismo reinante na sociedade, “picotando” este grupo para parecer que não seria tão majoritário assim. E também permite levantar outra hipótese para explicar melhor a invisibilidade do que a tese da polarização barulhenta demais: a de que o conservadorismo é ofuscado pelos holofotes progressistas presentes em larga maioria na mídia.

No fim das contas, ainda que se tente distrair da verdade incômoda (para os progressistas) de que somos uma sociedade claramente conservadora, a pesquisa é preciosa para dimensionar o quanto desse conservadorismo é engajado politicamente ou em guerras culturais; e, também, que ser conservador não seria sinônimo de ser de direita, embora seja o mais comum. Há conservadores de esquerda também, até petistas. A grande maioria, porém, dá muito menos importância a isso e segue ancorada mais em valores tradicionais, como família e ordem, do que em ideologias, sejam quais forem.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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