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Detalhe de "Um debate acalorado", de Louis Charles Moeller.
Detalhe de “Um debate acalorado”, de Louis Charles Moeller.| Foto: Reprodução

É simples ganhar um debate. Parte significativa da discussão pública política foi reduzida a um punhado de objeções do tipo: ressentido, invejoso, medroso – e por aí vai.  Não importa o lado em que você esteja, a tendência será sempre a de barrar toda objeção com expedientes psicológicos adotados para depor contra a sanidade mental e moral do adversário; uma versão psicologista da falácia ad hominem, que é quando você ataca o adversário com o objetivo de invalidar seus argumentos. Não se deve promover insultos gratuitos.

Em qualquer bom manual de argumentação, ad hominem estará presente como uma das principais e mais usadas falácias de todos os tempos. Há, basicamente, dois tipos de ad hominem: o ad hominem abusivo e o circunstancial. Vale realmente a pena conhecer esses recursos não só para se defender, como também para cantar belíssimas vitórias em debates cuja razão já não tem a menor relevância.

Para aplicar um belo, moral e abusivo ad hominem, o primeiro passo é pôr de lado a entediante parafernália lógica

Em sua forma abusiva, se você realmente não tem como desarticular o argumento do seu interlocutor, ou seja, mostrar para ele que a conclusão inferida não segue das premissas, então faça o seguinte: ataque a pessoa. Insulte-o, sem piedade.

Lembre-se: no ato da discussão, o insulto pode lhe trazer grandes benefícios. Para isso, há estratégias. Muitas delas, na verdade. Afinal, não se trata exatamente do insulto pelo insulto. É insulto enquanto arte. Insulto calculado.

Primeiramente, desconsidere todo argumento. Nem perca tempo. Se um argumento se sustenta em regras internas da razão, não se preocupe com isso. De fato, a força lógica de um argumento não depende de quem argumenta. Ela existe por si mesma. Seus méritos devem ser investigados por regras objetivas do pensamento. Que tédio. Para aplicar um belo, moral e abusivo ad hominem, o primeiro passo é pôr de lado a entediante parafernália lógica.

Aqui, o que conta é, sim, o mérito do argumentador, sua dignidade; para ser mais preciso, sua indignidade. Pessoas estúpidas, ressentidas e invejosas não podem argumentar com consistência. Regra básica: introduzir o mais rápido possível uma característica que deponha contra a dignidade do seu interlocutor. Se o debate tiver audiência, melhor ainda. Porque esses insultos devem ser considerados não pelo interlocutor, pouco importa se ele estiver certo. Quem legitima a vitória é a audiência. Jogar para a torcida, sempre.

Ad hominem circunstancial é uma variante que apela para circunstâncias especiais da pessoa. Pense num piedoso cristão justificando um empréstimo para obter lucro. Cristão não pode defender lucro. Como pode um cristão agir assim? A estratégia dessa falácia está no detalhe que se sustenta por uma verdade aceita culturalmente, de modo geral. Aqui não há necessidade de insultar a pessoa, apenas lembrar que ela, por ser cristã, não poderia estar agindo assim e assim.

O ad hominem deve ser usado com parcimônia, sobretudo na versão abusiva, que é muito fácil de ser detectada. No caso da versão circunstancial, há variantes mais súteis.

Ninguém quer saber de argumentação porque ninguém mais quer saber da verdade objetiva dos fatos. Quem manda é a audiência

No manual em que estou me inspirando, o autor cita esta exemplo: “ninguém nesta audiência da universidade pode se opor à concessão de verbas estaduais para subsidiar serviços, caso contrário vocês não estariam aqui, ocupando um espaço subsidiado”. Uma versão disso seria: “Não tem o menor cabimento você, como um funcionário público, defender as privatizações”.

Ora, se no primeiro caso os estudantes podem estar defendendo outras subvenções estaduais, no segundo o funcionário público – talvez um professor universitário – defenda a privatização dos Correios. O segredo do ad hominem circunstancial, como diz Madsen Pirie, autor do excelente Como Vencer Todas as Argumentações (Edições Loyola, 2013), é “em lugar de tentar provar que a tese defendida é verdadeira ou falsa, sua aceitação deve ser exortada em virtude da posição e dos interesses daqueles aos quais o apelo é dirigido”.

O fato é que ninguém quer saber de argumentação porque ninguém mais quer saber da verdade objetiva dos fatos. Quem manda é a audiência. Por isso, a melhor estratégia é saber usar o insulto certo na hora certa.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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