Muitos anos após os eventos narrados em Planeta dos Macacos: A Guerra, diversos grupos de macacos evoluíram desde os tempos de César (escrevi sobre ele no texto da semana passada), mas, enquanto alguns ignoram seu legado, outros o distorcem para erguer impérios baseados na opressão e poder imperial. A trama de Planeta dos Macacos: O Reinado gira em torno de um líder macaco, Proximus César, que, na obsessiva busca por tecnologia humana, escraviza outros clãs de macacos com a promessa de abundância e liberdade. Curioso como todo tirano não perde a oportunidade de afirmar que suas escolhas políticas são sempre em nome do amor e da liberdade.
Um desses clãs é o Clã das Águias, liderado por Noa, que, após a captura de seu clã e a morte de seu pai, se projeta em uma jornada de vingança contra Proximus. Vale dizer que a Proximus almeja reviver a glória dos antigos impérios humanos, especialmente o Império Romano, por meio do domínio tecnológico e militar. No filme, a figura que faz essa ponte é o personagem Trevathan, um oportunista humano que se tornou historiador particular de Proximus César. Trevathan é uma espécie de conselheiro do rei para assuntos de dominação. Um sujeito inteligente, mas espiritualmente fraco e escravo dos benefícios do poder.
Enquanto Proximus busca consolidar seu poder a qualquer custo, Noa se torna o símbolo da resistência e preservação de valores fundamentais como a dignidade, coragem e liberdade interior. Em meio a essa disputa, uma jovem humana, Mae, se torna a chave para o futuro de ambos os lados. Embora com certa desconfiança, ela ainda representa a possibilidade de coexistência ou a potencial destruição mútua entre humanos e macacos. Não queria dar spoiler, mas há uma cena no fim do reencontro dela com Noa que é de uma sutileza... Não dá para concluir se macacos podem confiar nos humanos e vice-versa. Acho esse desfecho do filme um tanto perturbador.
A narrativa de “Planeta dos Macacos: O Reinado” trata do conflito entre a busca pelo poder e a preservação da liberdade interior
Para mim, fica claro que a narrativa de Planeta dos Macacos: O Reinado trata do conflito entre a busca pelo poder e a preservação da liberdade interior. Gosto de pensar como essa tensão nos remete aos paradoxos da modernidade, onde a liberdade é sacrificada em nome de um progresso civilizacional até certo ponto ilusório. Nossa abundância material é de uma grandeza tão miserável! Difícil pensar o quanto eu estaria disposto a sacrificar o meu conforto material por... liberdade.
O Clã das Águias é simbolicamente ligado às aves que personificam liberdade, força e fidelidade, e luta contra a dominação de Proximus. Noa, apesar de sua juventude até certo ponto ingênua, ergue-se como um líder que desafia a tirania de Proximus. Noa é guiado não apenas pelo desejo de liberdade física e de vingança, mas também pela defesa de uma liberdade interior que Proximus não pode destruir e dominar. A propósito, a única coisa que de não gostei muito no filme foi o repentino amadurecimento de Noa, algo que poderia ter sido mais explorado.
A batalha entre Noa e Proximus não pode ser interpretada apenas como uma disputa territorial, mas uma luta existencial, onde a vitória de um representa a manutenção da integridade espiritual frente ao desejo de oprimir e dominar do outro.
Historicamente, os impérios são formas de organização política e territorial que centralizam o poder em uma autoridade dominante, governando sobre diversas regiões e povos. Essa estrutura não apenas estabelece controle físico e territorial, mas também impõe um sistema moral e ideológico. Portanto, a dominação imperial opera em duas frentes: territorial, envolvendo conquista, administração e exploração de recursos; e moral, impondo valores, normas culturais e crenças para legitimar uma suposta superioridade cultural. Em Planeta dos Macacos: O Reinado, Proximus representa esse controle, enquanto Noa encarna a resistência consciente a ele.
Ora, por isso, a fascinação de Proximus pela história romana reflete uma tentativa de legitimar sua autoridade por meio da emulação de um império que, para ele, representou o ápice do poder e da civilização. Proximus busca a tecnologia como um instrumento de poder a fim de incorporar os princípios que, em sua visão, tornaram Roma grande: a centralização do poder, a expansão territorial, e o uso estratégico da força. Como todo tirano, sua visão de domínio é fundamentalmente limitada e míope, pois, ao focar apenas no poder externo, negligencia a grandeza da liberdade interior, um dos elementos centrais para a verdadeira grandeza de uma civilização.
Por isso, toda vez que me deparo com alguém autoritário, lembro-me da história de Diógenes e Alexandre, o Grande. Quando Alexandre ofereceu realizar qualquer desejo de Diógenes, o filósofo simplesmente pediu que ele saísse da frente e não bloqueasse o sol. Um simples gesto pela liberdade como autonomia interior que não se submete ao poder externo. O poder é tentador, mas é igualmente tentador ceder aos benefícios que ele oferece.
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