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Franklin Ferreira

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A estética do mal e a paganização da cultura

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Lady Gaga em ensaio para o show que fez na Praia de Copacabana, no começo de maio de 2025. (Foto: André Coelho/EFE)

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Vivemos, hoje, uma guerra moral sem precedentes. Não é travada com armas ou exércitos, mas com ideias, imagens e sons, uma batalha espiritual que alcança a mente e o coração. É uma guerra pela alma humana, que tenta destruir a imagem de Deus em nós e reduzir o homem a um ser guiado por instintos e desejos. A cultura contemporânea, com seus ídolos e deuses fabricados, nada mais é que o velho paganismo em nova roupagem. A diferença é que, agora, o altar é digital e o culto é global. É uma guerra silenciosa, travada nas telas, nas letras de músicas, nas redes sociais e nos valores que a sociedade absorve sem perceber.

Um ataque contra a imagem de Deus

A Escritura é clara: fomos criados “à imagem e semelhança de Deus” (Gn 1,26-27). Essa imagem nos confere dignidade, racionalidade, capacidade moral e espiritual. No entanto, a cultura moderna, dominada por um espírito anticristão, tenta corromper essa imagem, invertendo completamente a ordem criada. Em vez de o homem refletir a glória de Deus, é levado a refletir seus próprios desejos. Em vez de dominar seus instintos, é dominado por eles. Em vez de adorar o Criador, passa a adorar a criatura (Rm 1,25).

Paulo descreve com precisão esse processo de degradação moral em Romanos 1: quando o homem rejeita o conhecimento de Deus, o Criador o entrega a uma mente reprovada. O resultado é o caos moral: confusão sexual, perversão, idolatria e a substituição da verdade pela mentira. A cultura pop contemporânea, especialmente a indústria musical e cinematográfica, tornou-se o veículo por excelência dessa inversão.

O espetáculo da transgressão

Poucas figuras ilustram melhor essa realidade do que artistas como Lady Gaga, cuja obra se tornou um ícone da transgressão e da paganização estética. Seus clipes e performances não são apenas entretenimento; são ritos simbólicos que reinterpretam o sagrado em termos profanos e erotizados.

A cultura contemporânea, com seus ídolos e deuses fabricados, nada mais é que o velho paganismo em nova roupagem. A diferença é que, agora, o altar é digital e o culto é global

Em Poker Face, a sensualidade é misturada com imagens ambíguas de bestialidade e promiscuidade, promovendo uma visão do ser humano como criatura instintiva, sem moral, sem alma. Em Alejandro, há uma blasfêmia explícita contra o cristianismo: cruzes invertidas, símbolos religiosos deturpados e uma freira sensualizada, imagens que evocam o anticristianismo típico do satanismo pop. A mensagem é clara: o sagrado é ridicularizado, a pureza é corrompida, e a fé é reduzida a um fetiche estético. Em Bad Romance, a estética da escravidão sexual e da submissão é apresentada como glamour, uma banalização do pecado e do sofrimento humano.

Essas obras não são simples “expressões artísticas”. Elas operam como catecismos seculares, ensinando, de modo inconsciente, uma “teologia” alternativa: a de que o prazer é o bem supremo, que a liberdade é a ausência de limites, e que a transgressão é virtude. É o culto moderno ao “eu”, disfarçado de empoderamento.

Essa catequese da transgressão não se limita a uma artista. Ela se tornou a linguagem espiritual dominante da cultura popular contemporânea. De Madonna, pioneira na erotização de símbolos religiosos, a Lady Gaga, Beyoncé, Billie Eilish, Lil Nas X, Sam Smith e The Weeknd, o mesmo padrão se repete: o sagrado é profanado, o corpo é divinizado, e a moralidade é ridicularizada. Esses artistas encenam, com estética refinada e sonoridade sedutora, uma liturgia pagã onde o prazer substitui a santidade e o “eu” ocupa o trono de Deus. A música pop tornou-se o púlpito do narcisismo espiritual do nosso tempo, uma catequese sonora que ensina a adorar o instinto e a rejeitar o Criador.

O mesmo espírito domina o cinema e as séries. Filmes como De olhos bem fechados (Eyes Wide Shut), Cisne negro (Black Swan), Midsommar: o mal não espera a noite (Midsommar), Demônio de neon (The Neon Demon), Bela vingança (Promising Young Woman), Mãe! (Mother!) e A bruxa (The Witch) revelam, sob formas diversas, a mesma inversão: a queda como libertação, o pecado como arte, a corrupção como beleza. Séries como Euphoria, Lúcifer (Lucifer), American Horror Story, The Idol e Belas maldições (Good Omens) prolongam essa catequese imagética, normalizando o vício, humanizando o demônio, banalizando o mal e esvaziando a noção de pecado.

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Outras produções seguem o mesmo padrão. Penny Dreadful revisita os mitos de terror do século 19, com vampiros, lobisomens e bruxas, mas os reinterpreta sob uma ótica nitidamente pagã, crítica ao cristianismo e promotora da homossexualidade. The White Lotus encena um secularismo cínico e vazio, enquanto Falando a real (Shrinking) disfarça sob o humor leve e colorido uma visão de mundo woke em que tudo parece funcionar – uma mentira cuidadosamente embalada.

Em todas elas, o que se oferece ao público é uma espiritualidade alternativa: um novo paganismo que promete transcendência sem arrependimento, prazer sem pureza e liberdade sem verdade (agradeço aos amigos Ruslan Segursky e Tiago Santos Filho pelas sugestões citadas nestes parágrafos).

A raiz religiosa da paganização

A força da cultura popular está em sua capacidade de tornar o pecado esteticamente atraente e moralmente neutro. A música, a moda e o cinema funcionam como instrumentos pedagógicos; eles ensinam, formam e moldam o imaginário coletivo. O diabo, parafraseando C. S. Lewis, não precisa mais convencer as pessoas a negarem Deus; basta fazê-las rir do pecado.

O processo é sutil: o que antes era considerado imoral ou vergonhoso passa a ser “libertador” e “autêntico”. O que era pecado passa a ser “identidade”. A imoralidade é celebrada, e a pureza é ridicularizada. A indústria cultural cria um tipo de humanidade, uma humanidade sem culpa, sem limites, sem Deus. Esse é o grande triunfo da paganização moderna: transformar o mal em arte e o pecado em estilo de vida.

Inúmeras obras culturais operam como catecismos seculares, ensinando uma “teologia” alternativa: a de que o prazer é o bem supremo, que a liberdade é a ausência de limites, e que a transgressão é virtude

A paganização da cultura não é mera degeneração moral, é apostasia religiosa. O paganismo antigo via o mundo como habitado por forças e deuses que deviam ser aplacados por meio de rituais e sacrifícios. O paganismo moderno, porém, substitui os deuses por ídolos de consumo, fama e prazer. A artista pop é a sacerdotisa desse novo culto; o palco é o templo; a multidão, os adoradores; e a performance, o sacrifício.

Segundo Herman Bavinck, quando o homem abandona o Deus verdadeiro, ele inevitavelmente cria substitutos religiosos. A cultura, assim, nunca é neutra: ou glorifica o Criador, ou exalta o ídolo. E é justamente isso que vemos, uma liturgia anticristã disfarçada de entretenimento. O que se oferece ao público é, em última instância, um culto de autoadoração.

Discernimento e santificação

Diante dessa avalanche de paganização cultural, o cristão não pode reagir nem com ingenuidade nem com desespero. O chamado bíblico é à vigilância e discernimento. Paulo nos exorta: “Não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente” (Rm 12,2). Isso significa que precisamos formar uma mente cristã, capaz de identificar as mensagens espirituais por trás da cultura.

Primeiro, precisamos reafirmar a centralidade de Deus na vida humana. A cultura não deve ser rejeitada em bloco, mas redimida pela verdade. O cristão deve aprender a consumir cultura com consciência, avaliando tudo à luz da Palavra (1Ts 5,21). Não podemos permitir que a estética determine a ética.

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Segundo, é preciso restaurar a beleza da santidade. O mundo apresenta o pecado como algo belo e excitante; a Igreja deve mostrar que a verdadeira beleza está na pureza, na fidelidade, na verdade e no amor. A adoração cristã, a arte cristã e a vida cristã devem resgatar o senso de transcendência que o mundo perdeu.

Terceiro, devemos educar nossas famílias e comunidades. O combate à paganização começa em casa: o que ouvimos, assistimos e celebramos molda nossos afetos. Pais cristãos não podem terceirizar a formação moral de seus filhos para a mídia. A Igreja deve equipar os crentes para compreender o simbolismo e a teologia implícita nas narrativas culturais.

Quarto, a resposta cristã à escuridão cultural não é o isolamento, mas a presença fiel. Jesus disse: “Vós sois a luz do mundo” (Mt 5,14). Isso significa que o cristão deve ser sal e luz no meio de uma cultura decadente, não apenas denunciando o mal, mas oferecendo uma alternativa gloriosa: a beleza da santidade e da verdade em Jesus.

Em vez de imitar o mundo, somos chamados a viver de modo que o mundo veja em nós algo radicalmente diferente: pureza em meio à impureza, ordem em meio ao caos, e amor em meio ao egoísmo. A santidade é o maior protesto contra a banalização do mal.

Nossa vocação não é a fuga, mas a resistência: proclamar, em meio ao ruído e à idolatria, que somente o Senhor é Deus

A esperança da restauração

A guerra moral em que vivemos é, em última instância, uma guerra escatológica. O inimigo sabe que seu tempo é curto. A decadência cultural não é o fim da história, mas o prelúdio do triunfo do Messias Jesus. O livro do Apocalipse nos assegura que a Babilônia, símbolo da cultura anticristã, cairá, e todo sistema que exalta o homem contra Deus será destruído.

Até lá, a Igreja é chamada a permanecer fiel. Nossa esperança não é utópica, mas real: Jesus reina e restaurará todas as coisas. Por isso, somos convocados a perseverar na santidade, resistir à conformidade e viver como testemunhas do Reino que virá.

A cultura moderna, com seus ídolos e altares digitais, é apenas a repetição do velho paganismo que tenta, desde o Éden, ocupar o lugar de Deus. Mas o remédio continua o mesmo: arrependimento, santidade e fidelidade à verdade. O cristão não teme as trevas, porque caminha na luz de Jesus. Nossa vocação não é a fuga, mas a resistência: proclamar, em meio ao ruído e à idolatria, que somente o Senhor é Deus. O paganismo contemporâneo pode prometer liberdade e prazer, mas só Jesus oferece perdão, ressurreição e vida eterna.

E que essa seja também a nossa oração, nas palavras de Bernardo de Claraval (Sermões sobre o Cântico dos Cânticos, sermão 83):

“Senhor, onde há amor verdadeiro, aí estás Tu.
Vem, ó Jesus, e ocupa o trono do meu coração;
afasta dele os ídolos que me distraem,
e reina sobre mim com tua mansidão e tua força.
Que todo o meu ser se inflame por Ti,
e que nada em mim deseje outra beleza senão a Tua.”

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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