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O que é bom a gente mostra; o que é ruim, a gente esconde. A declaração, eternizada pelo escândalo da parabólica em 1994, mostrou que os vazamentos de “off” midiáticos nem sempre são exatamente reveladores.
Na ocasião, o então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, estava concedendo uma entrevista na TV Globo ao jornalista Carlos Monforte. Em um intervalo do jornal, a conversa informal entre os dois foi captada por antenas parabólicas de determinada região e disseminada para o grande público. O ministro caiu.
O Brasil estava em plena implantação do Real, e o plano estava dando certo. Um dos componentes do sucesso da reforma era justamente a comunicação — não por esconder do público o que estava acontecendo, como sugere a fala de Ricupero, mas exatamente o contrário: pela primeira vez, o governo brasileiro fazia um pacote econômico com total transparência. Toda a engenharia da moeda de transição (URV) foi sendo apresentada de forma didática à população — “sem sustos”, como diziam as autoridades da época.
Alguns conhecedores do bastidor palaciano daquele período acharam que Ricupero escorregou na soberba, dado o imenso poder que todos os realizadores do Real iam adquirindo à medida que o plano avançava. Embaixador de carreira, o então ministro da Fazenda havia assumido o cargo com a saída de Fernando Henrique Cardoso para concorrer à Presidência da República e estava dando conta do recado. Tinha a clareza e a serenidade necessárias para ganhar a confiança do povo.
Naturalmente, toda propaganda governamental inclui escolhas estratégicas, mas ali se dava justamente o rompimento com a tradição do populismo demagógico. O papel que Ricupero desempenhava naquele momento era bem mais consistente e defensável do que o proselitismo “progressista” que ele próprio adotaria mais adiante na diplomacia internacional. Sem “escândalo”.
O vazamento do áudio de uma jornalista da GloboNews, durante a transmissão da solenidade em que Trump e Netanyahu celebravam o acordo de paz na Faixa de Gaza, também deu o que falar — mas não é exatamente revelador. Aliás, um jornalista dirigir, em off, uma expressão hostil ou insultuosa a alguém de quem não goste é problema dele. O problema maior ali é o quanto esse vazamento denota um espírito ou uma predisposição distorcida em relação à realidade.
Simpatias ou antipatias à parte, o momento era de celebração de um acordo de paz — uma chance concreta de redução do sofrimento de muita gente. Se fosse um comício qualquer, ou mesmo um discurso de posse, poderia até ser admissível uma manifestação hostil primária como aquela (no campo do que se fala em off).
Mas ver um jornalista com elevado nível de esclarecimento praguejando daquela forma contra os que atuavam para encerrar uma guerra não é normal. O envenenamento das mentalidades foi longe demais.
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Desejar a uma autoridade que está anunciando a paz “que o diabo a carregue”, ou algo similar, denota uma possível distância anestésica do flagelo atroz que marca aquele contexto
Assim como o caso das “mortezinhas” de israelenses mencionadas por outra jornalista (essa em “on”, mesmo). Parece que a formação das bolhas e das ultra-segmentações dos tempos atuais está afastando as pessoas de sua própria consciência.
Sumiu o contraste. A maioria das pessoas hoje fala em bloco para sua própria câmara de eco. Eventuais bizarrices vazam para a câmara vizinha e provocam uma reação que nem sempre chega a quem proferiu o disparate — ou chega amortecida. O escândalo são os outros, como diria Sartre (numa época em que citação não precisava de atestado ideológico).
Uma coisa é certa: se a perversão chegou a esse ponto, não é mais preciso pedir ajuda ao capeta para nada.





