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Causa finita est. Essa frase em latim, muito famosa no mundo do direito, foi cunhada e se notabilizou pelo uso de Santo Agostinho, um dos maiores filósofos e teólogos do cristianismo. Designa um assunto que está encerrado, um tópico que já foi decidido, um debate que acabou. É o que ocorreu com o processo de Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado.
Ainda que muito seja dito tanto sobre o mérito quanto sobre a forma, fato é que, para o âmbito judicial, já não há mais nada a ser feito. Com a publicização do trânsito em julgado, passam a valer os efeitos da pena imposta ao ex-presidente, que será cumprida, num primeiro momento, na carceragem da Polícia Federal. Sob o ponto de vista do formalismo legal, Bolsonaro é, portanto, causa finita. Resta saber agora se também no âmbito da política.
A vantagem de Lula se potencializa na medida em que os opositores não dão o ex-presidente também como causa finita. A direita terá de escolher se vira a página ou se prefere ter Jair Bolsonaro como sua própria tornozeleira
Até antes do insólito episódio envolvendo sua tornozeleira eletrônica, em que o ex-presidente apresentou nada menos que três justificativas pela danificação do aparelho (nos Estados Unidos tal conduta pode gerar até 5 anos de prisão), Bolsonaro detinha influência e apelo social suficientes para indicar um eventual substituto na disputa eleitoral de 2026 contra Lula. Independente de o escolhido ser Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado, Cláudio Castro ou alguém da família, havia consenso que o nome tinha de ser submetido, e também se submeter, a Bolsonaro.
Tal condição subsiste? Ainda mais considerada a justificativa mais consistente apresentada pela defesa, e constante no depoimento de Bolsonaro, com a admissão de que o ex-presidente estava em “surto”, resultante da combinação de remédios antidepressivos que lhe foram receitados? A pergunta obvia resultante é: seria prudente que um homem com situação de saúde delicada e condicionado a potenciais efeitos colaterais de medicamentos sobre sua própria razão designasse um sucessor? Que tenha poder decisório numa questão de tal importância?
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Se a alegação de surto é verdadeira, então seu juízo está em xeque. E isso, para o cálculo da política, é fundamental, por mais duro e impiedoso que possa parecer. E aqui a dúvida sobre a cognição se soma ao evidente enfraquecimento de sua capilaridade social. Seu poder de mobilização, até então um ativo, vem se enfraquecendo paulatinamente.
A vigília convocada por Flávio Bolsonaro na frente do condomínio de seu pai não cumulou tantas pessoas quanto se imaginava, tampouco pareceu haver disposição para atos consistentes pelo país ou mesmo diante do local em que o ex-presidente cumprirá sua pena. Há um crescente clima de cansaço e desesperança entre seus apoiadores, mesmo os mais entusiasmados.
Ao longo dos últimos meses, todos os institutos de opinião constataram um fortalecimento da imagem de Lula, que de pato manco ao final de 2024 chega ao início de 2026 como favorito para a própria sucessão. Mesmo que haja pregação de alguns bolsonaristas contra qualquer discussão eleitoral ou mesmo a escolha de uma alternativa ao ex-presidente, a disputa está posta no calendário, com um polo nadando de braçada. A vantagem de Lula se potencializa na medida em que os opositores não dão o ex-presidente também como causa finita. A direita terá de escolher se vira a página ou se prefere ter Jair Bolsonaro como sua própria tornozeleira eletrônica




