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É muito fácil criticar os progressistas, mas ninguém reconhece que, em pelo menos uma coisa, eles são realmente excepcionais: os níveis inacreditáveis que a sua sonsice consegue alcançar. Agora – vejam só! – eles estão reclamando da censura, depois de todos esses anos trabalhando ativamente para o fim da liberdade de expressão no Brasil.
O que eles fizeram com o nosso país é mais ou menos o seguinte: um mosquito pousa no rosto de uma criança; o sujeito dá um tapa com a máxima força para matar o mosquito, a criança cai no chão, bate a cabeça e termina com uma concussão. Essa foi, em linhas gerais, a estratégia da esquerda para “salvar” a democracia no país. Com o agravante de que nem mosquito tinha; aquilo era, no máximo, uma manchinha de brigadeiro que causava ruído em sua suscetibilidade estética. Quando a manchinha é de space brownie vegano, está tudo certo.
Em pânico com a eleição da direita – em pânico porque o povão resolveu eleger Bolsonaro e defender valores contrários aos do progressismo –, a vanguarda de escolarizados urbanos decidiu que a democracia não deve ser tão democrática assim.
A liberdade de expressão só vale quando é para fazer bom uso dela, e por ‘bom uso’ entende-se a defesa da esquerda
E daí inventaram uma série de pretextos – discurso de ódio, ataque às instituições, discurso antidemocrático, ataque à ciência etc. – para justificar a escalada da censura no Brasil.
Lembram do Levitsky, aquele que escreveu Como as democracias morrem e meio que se tornou líder de culto da esquerda brasileira? Só esqueceu de explicar que a democracia também morre quando, fanatizados, os progressistas passam a defender que vale tudo para proteger a democracia, inclusive destruí-la. De Trotsky a Levitsky, a força do niilismo da escatologia progressista é a mesma.
Mas agora, de repente, parecem ter mudado de ideia. Nesta última semana, diversos jornalistas “do bem” escreveram que sabiam da existência da censura e que apoiaram a sua escalada no Brasil.
Obviamente, a confissão deles é a típica confissão de colaboracionista: não dizem explicitamente que estavam errados (é tudo dito de maneira indireta, por meio de inferências sugeridas) e, ao mesmo tempo, dizem que foi tudo por uma “boa causa”.
O sujeito que não sabe nem a diferença entre homem e mulher agora quer-se mostrar como referência de moral e institucionalidade. “Agora estou certo, estou convicto, chega de censura!”. O que, nas entrelinhas, significa: que fique registrado, eu nunca tive nada a ver com isso e sou contra a censura desde criancinha.
Será que houve um surto de moralidade, talvez um daqueles surtos tão tardios quanto inócuos que por vezes causam remorso em mafiosos? Ou será que, com Bolsonaro preso, a psicose antibolsonarista se arrefeceu e eles perceberam a insanidade em que mergulharam?
O fanatismo ter-se-ia enxergado ao espelho? Ou então – não sei, é só uma hipótese –, os progressistas são volúveis mesmo, e depois da Magnitsky todos eles se tornaram um pouquinho mais magnânimos. De Trotsky a Levitsky a Magnitsky, quem será que vale mais? Fica a dúvida para futura reflexão.
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E agora esses bolchehipsters – esses escolarizados urbanos descolados que se pensam a vanguarda civilizatória do país – suplicam à censura para que ela se desfaça, para que o gênio volte para a lâmpada, para que “a pasta volte para o dentifrício”; ou, o que é mais impossível ainda, que o poder total que eles conferiram aos censores possa, de uma hora para outra, se “autoconter”. Era melhor quando os progressistas defendiam estocar vento; mais plausível que estocar poder.
Onde esse poder será contido? E que outro poder promoverá essa contenção, se vocês passaram anos criminalizando políticos e intelectuais de direita, justamente aqueles que lutavam contra a censura que agora vocês dizem abominar? Se vocês apoiaram cada inquérito, cada perseguição, cada conta bloqueada?
Nós poderíamos apontar a hipocrisia, a desfaçatez, a cara de pau e o quão sonsos são esses esquerdistas. Esse é o mesmo pessoal da quarentena gourmet, do “fique em casa, mas minha empregada vem trabalhar”, da entrevista por telepatia, do “despiora”, do “diz leitor”, do “veja por que isso é bom”. Com a censura foi a mesma coisa: “é só uma censura cirúrgica para defender a democracia”, “é só até achatar a curva do discurso antidemocrático”, “vamos só fechar algumas gôndolas da liberdade de expressão”.
E aí bastou acusar a todos nós de golpistas (e aqui é sempre bom lembrar a lição do francês: golpe é o coup) para, em seguida, perseguir e silenciar a direita brasileira.
Mas essa ação deles revela que, pelo menos, eles entendem como o poder funciona: para minar a representação democrática da direita, tiveram que utilizar outros poderes. E o mesmo terá de ser feito agora para conter o poder da censura.
O poder não se contém sem que haja algum anteparo. É apenas com um contraponto, com um adversário, que podemos frear a escalada autoritária. Só que eles mataram precisamente o sistema adversarial brasileiro e querem apenas variações de progressismo com tutela judicial, enquanto eles, os iluminados, ditam ao povão a escatologia progressista para onde todos devemos rumar.
Que ninguém se engane: eles não querem salvar nem a democracia, nem a liberdade de expressão. Como escrevi na minha última coluna, com Bolsonaro preso, agora eles precisarão encontrar um novo “fascismo” contra o qual lutar e que servirá de pretexto para o seu autoritarismo.
Mas, se não há “fascismo”, se não há obstáculos à escatologia esquerdista, se a oposição está morta, aí tudo bem, aí eles adoram a democracia: ela pode funcionar à vontade, e você pode expressar o que bem desejar, desde que você não crie risco nenhum à tutela deles sobre o futuro do país.




