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Os benefícios superam em muito os malefícios, mas escolarizar-se tem uma desvantagem: se o sujeito não prestar atenção, o cordão umbilical por onde lhe ensinaram a ler continuará aberto ao tráfego (e ao tráfico) de influências. A mesma vulnerabilidade cognitiva diante do especialista, a mesma humildade intelectual que nos permite absorver “o vovô viu a uva” pode nos fazer acreditar que o vovô não viu nada, que o vovô faz “fake news”, ou que o vovô é fascista. Aberto à passagem da metalinguagem (regras da gramática), aberto à passagem da linguagem.
E daí o sujeito é de direita, ou pelo menos é não-esquerda, mas tem uma visão de mundo completamente moldada pela hegemonia progressista.
Por exemplo: já há algum tempo a direita reclama de perseguição, censura, cancelamento, e isso é verdade mesmo. Mas agora finalmente, depois de anos, alguns líderes da direita mundial começam a usar das mesmas armas; começam a empreender os mesmos meios legais para processar progressistas que os caluniaram, combater o antissemitismo nas universidades, coibir a imigração ilegal, dentre outras medidas de grande relevância para o Ocidente. Finalmente! Mas e aí, o que fazem os conservadores de tweed, a direita lírica, os liberais em trabalho remoto?
Resolvem-se exilar em seu próprio narcisismo, colocando-se acima do varejo comezinho da disputa política do dia-a-dia: não em meu nome, não podemos nos igualar aos nossos adversários, somos melhores do que isso, não renunciemos aos nossos princípios!
Não quero que a esquerda seja cancelada da mesma forma que eles cancelam; quero que eles aprendam a apreciar a tolerância e a liberdade de expressão de todos. Sim, mas a melhor maneira de fazer alguém apreciar a sua liberdade é pela imposição das mesmas restrições que eles aplicam a você
Alguns até dizem, com a grandiloquência juvenil de quem vive no idealismo, “posso discordar do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de...zzzzzzz”, pelo amor de deus, o sujeito vai defender “até a morte” o direito do progressista que quer vê-lo fuzilado! Nem precisa defender até a morte, se esse é o objetivo, já está nos planos do comunismo, não se preocupe. E depois esse mesmo tweed, incapaz de reconhecer a ameaça totalitária à sua frente, é quem vai querer te vender um curso online sobre como alocar recursos e gerenciar riscos.
Mas o maior erro mesmo é o de simplesmente ignorar que a isonomia, a paridade de armas e a legítima defesa são princípios também, e dos mais fundamentais. Ao impor que a regra se aplique igualmente a todos, a isonomia garante que todos tenham de pensar duas vezes antes de estabelecerem uma regra ruim. Do contrário, fica muito fácil criar dois conjuntos de regras, um para os progressistas e outro para os tutelados, pois ninguém reclamará: os tutelados estarão sempre ocupados demais afetando nobreza.
É impossível construir qualquer sociedade minimamente livre sem essa reciprocidade, sem essa paridade, sem essa capacidade de devolver custos a quem impõe danos. A liberdade preserva-se por meio de freios e contrapesos; mas a coisa não funciona sozinha, e é preciso ter a iniciativa de ativar os contrapesos. Não é só um direito, mas também uma virtude, um dever moral: defender-se e aplicar custos recíprocos é essencial para a preservação das instituições e a consequente promoção da ordem e da liberdade. Devemos ter princípios? Sim, e a isonomia também é princípio.
E é nessa letargia que se revela a eficiência da escolarização e do privilégio cultural da esquerda. Olha só, não quero que a esquerda seja cancelada da mesma forma que eles cancelam; quero que eles aprendam a apreciar a tolerância e a liberdade de expressão de todos. Sim, mas a melhor maneira de fazer alguém apreciar a sua liberdade é pela imposição das mesmas restrições que eles aplicam a você.
Diante da hegemonia progressista, muitos dissidentes aprendem que para sobreviver é preciso mostrar-se inofensivo. No fundo, é uma concessão especial à esquerda que revela a reverência (ou o medo) que o sujeito tem pelo progressismo. Mas é precisamente isso o que precisa ser combatido, e não justificado.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos




