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Gustavo Nogy

Gustavo Nogy

A sindicalização do debate

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O brutal assassinato do americano George Floyd tocou fogo no mundo e reacendeu o debate sobre o preconceito racial. Muito bem, muito bom. Racismo existe, mata e tem de ser repudiado sem temores nem pudores. Silenciar não é uma opção.

Enquanto nos EUA os protestos oscilaram entre a ocupação das ruas, algumas vezes violenta, e o revisionismo histórico, algumas vezes anacrônico, no Brasil a disputa acontece na imprensa, com esparsas manifestações populares.

Grupos e personagens divergem entre si em pontos acessórios, mas concordam no essencial: quando se trata de racismo, nem toda fala conta. Nem toda fala deve ser falada. Nem toda fala merece ser ouvida.

Ou, mais precisamente, algumas falas estarão sempre fora de lugar. Qualquer objeção logo recebe críticas, reprimendas e excomunhões. O lugar de fala na questão racial será de quem sofre preconceito racial, ponto. Quem não tem crachá não participa.

O problema é que, da escravidão ao controle dos gastos públicos, do catolicismo à contenção inflacionária, nada tem escapado à colorização narrativa. Até o indispensável marco do saneamento básico, aprovado ontem (24) pelo Senado, foi racializado.

Com o slogan de que “não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, a disputa pela ocupação simbólica do debate público termina em despejo de muitos inquilinos. O antirracismo virou o x-tudo conceitual que tem de ser abocanhado de uma vez só, sem questionar a procedência dos ingredientes.

Doravante, nenhuma discussão jamais será inocentemente técnica ou teórica. Todas as dúvidas surgem contaminadas de racismo estrutural, e quem nega ou relativiza essa obviedade só pode ser racista. Que eu publique este texto é prova inapelável de que sou racista.

Colocada nesses termos, a luta contra o racismo vira um cavalo-de-troia ideológico. Ganha em abrangência o que perde em legitimidade. As intenções são boas, tenho fé, mas nem sempre as boas intenções são as melhores soluções.

Porque é muito preguiçoso saltar décadas de sofisticadas discussões econômicas e jurídicas para culpar o liberalismo (“neoliberalismo”) de crimes que não são seus. Quem relaciona o liberalismo ao racismo, como causa e respectivo efeito, não sabe o que é liberalismo ou ignora o que seja racismo.

Se o debate racial for sindicalizado, nada na estrutura da sociedade mudará. Os grupos falarão entre si, para si, sobre si. O vocabulário ético se estilhaçará em signos irreconhecíveis. O sentimentalismo asfixiará a razão. A pólis voltará à guerra tribal.

O cala-boca descrito como “lugar de fala”, no fim, serve muito bem àqueles que não querem ouvir ou compreender a fala do outro. Se o outro não se comunica comigo, não o compreendo. Se não o compreendo, não me compadeço. Se não me compadeço, com ele não me importo.

O status quo agradece.

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