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Que o brasileiro tem pouca confiança nas instituições não é novidade. Diversas pesquisas de opinião indicam níveis elevados de desconfiança em relação ao Congresso, aos partidos políticos e ao Poder Executivo. Quando esse fenômeno atinge o Judiciário, no entanto, o problema assume contornos ainda mais graves, já que se trata da instituição responsável por garantir o cumprimento da Constituição, a proteção de direitos fundamentais e o equilíbrio entre os Poderes.
No caso brasileiro, a situação do Judiciário em geral é motivo de preocupação. A falta de transparência, a existência de penduricalhos, supersalários e o recorrente desrespeito ao devido processo legal contribuem para um cenário de perda de legitimidade.
A desconfiança e desconforto em relação ao Judiciário não pode ser tratada como infundada ou meramente fruto de radicalismo político. Desde 2019, observa-se a abertura de inquéritos de duração indefinida, que colocam em xeque garantias básicas do devido processo legal
Alguns dados elucidam nossa situação. O índice do World Justice Project de 2025, que mede o grau de adesão de um país ao Estado de Direito, apresenta dados bastante preocupantes. No índice geral, o Brasil encontra-se em posição baixa, ocupando o 78º lugar entre 143 países. Na dimensão de Direitos Fundamentais, especificamente no componente Devido Processo Legal e Direitos do Acusado, o Brasil apresenta uma pontuação muito ruim, de 0,37 em um total de 1,00, ocupando a 107ª posição, atrás de países como Marrocos e Zâmbia, por exemplo. No indicador que avalia “se a Liberdade de opinião e expressão é efetivamente garantida”, o país também está abaixo da média, com pontuação de 0,53.
A dimensão de Justiça Criminal representa outro alerta importante. O Brasil pontua 0,37, posicionando-se em 111º lugar. Dentro desta dimensão, o dado mais grave diz respeito à Imparcialidade Do Sistema Criminal, no qual o Brasil ocupa a 141ª posição entre 143 países avaliados.
Embora esses problemas atinjam outras instâncias do Judiciário, eles se concentram de forma mais visível no Supremo Tribunal Federal afetando a percepção da população em geral. Pesquisas da Quaest mostram que, em 2022, os índices de confiabilidade do STF eram de 56%. Em 2025, esse número diminuiu para 50%.
Essa desconfiança e desconforto em relação ao Judiciário não pode ser tratada como infundada ou meramente fruto de radicalismo político. Desde 2019, observa-se a abertura de inquéritos de duração indefinida, que colocam em xeque garantias básicas do devido processo legal.
Soma-se a isso o avanço do ativismo judicial, tema já debatido neste espaço, especialmente no que diz respeito à regulação de plataformas digitais e à liberdade de expressão. Mais recentemente, episódios como a atuação de ministros no caso do Banco Master e as tentativas de se blindar de pedidos de impeachment levantam questionamentos sobre o funcionamento do sistema de freios e contrapesos. Além disso, em muitos desses casos, as decisões são tomadas de forma monocrática, concentrando poder e reduzindo a previsibilidade institucional.
Tratar essa desconfiança generalizada em relação ao Judiciário como algo simplesmente “golpista” é ignorar os riscos reais que esse cenário impõe à democracia. A crítica, quando baseada em fatos e preocupações legítimas, não enfraquece o regime democrático, mas revela a necessidade de aperfeiçoá-lo.
No entanto, há um horizonte de esperança. O ministro Edson Fachin tem defendido uma postura de maior autocontenção por parte da Corte e, recentemente, foi proposta a adoção de um código de ética para magistrados. Ainda que seja necessária a abertura da Corte à sociedade civil e a especialistas para debater o que deve estar contemplado nesses códigos de conduta e ética, trata-se de um aceno importante.
Essas e outras medidas, como reformas mais amplas no Judiciário, são fundamentais para que se possa falar no fortalecimento do Estado Democrático de Direito. A desconfiança persistente que atinge as instituições, e de modo particular o Judiciário, compromete a legitimidade das decisões e fragiliza a democracia, sobretudo em anos eleitorais. Romper esse ciclo exige transparência, respeito às regras do jogo e compromisso efetivo com os limites institucionais.




