Seguindo à risca o que todo mundo já sabia, Vladimir Putin foi reeleito presidente da Rússia, com direito a 87% dos votos dos eleitores russos – um sinal de aprovação esmagadora do povo, caso estivéssemos falando de um país democrático. Como se trata da Rússia, é só o resultado de uma farsa infame que confirma o quão ditatorial é o atual regime russo.
A mera existência de eleições nem de longe indica a existência de uma democracia. É comum, inclusive, que ditaduras e autocracias recorram a eleições de fachada para dar um verniz “democrático” a um regime. É relativamente fácil transformar uma eleição numa farsa, desde que se tenha as ferramentas certas para isso – como a máquina estatal. Quanto mais o Estado, através de decisões unilaterais de seus governantes ou de suas instituições, interfere, molda, restringe, condiciona, enfim, se intromete indevidamente no processo eleitoral, mais riscos à democracia.
O que se tem na Rússia hoje é uma máquina estatal muito bem azeitada para fazer os russos “votarem bem”, ou seja, votarem sempre em Putin.
Todo país possui um regramento que rege seu sistema eleitoral, mas isso não se confunde com o que ocorre em países como a Rússia, onde a liberdade política e de expressão, se ainda não morreram de vez, estão feridas de morte. Não é preciso lembrar o quão repressivo o regime de Putin é contra opositores e jornalistas que se ousam criticar e questionar os rumos do governo russo. A morte do líder da oposição russa, Alexei Navalny na prisão em fevereiro deste ano é só um dos inúmeros exemplos de como o regime de Putin trata opositores.
Na Rússia, não se pode nem mesmo falar em invasão da Ucrânia ou usar a palavra guerra. Por lá, o que exército russo faz é só uma “operação militar especial em Donbass” e coitado de quem chame de outra coisa. A censura faz parte do dia a dia e veículos que não seguem a cartilha da agência reguladora das comunicações no país, Roskomnadzor, são simplesmente fechados, suspensos ou multados. Sob alegação de “divulgar informações não confiáveis”, o Roskomnadzor já restringiu o acesso dos russos até ao Google Notícias.
As regras eleitorais, claro, são reescritas e interpretadas de acordo com a vontade do governo. As sucessivas reeleições de Putin são um exemplo: foi ele mesmo quem conseguiu alterar a legislação russa para permitir que pudesse ser reeleito novamente em 2024. Já para opositores, as regras tentam dificultar ao máximo as candidaturas, que ainda podem ser barradas a qualquer momento, por motivos nem sempre claros, pela Comissão Eleitoral Central, um espécie de TSE russo.
O que se tem na Rússia hoje é uma máquina estatal muito bem azeitada para fazer os russos “votarem bem”, ou seja, votarem sempre em Putin. Em meio a um ambiente assim, onde não existe espaço para o debate livre de ideias, com exposição de posições políticas diversas, onde criticar o governo é crime, opositores são impedidos de participar das eleições, e eleitores não têm acesso a informações que não sejam previamente filtradas pelo governo, nunca uma eleição poderá ser considerada democrática. E o fato de outras ditaduras, como a China e a Venezuela, se apressarem em parabenizar o resultado das eleições russas é só mais uma prova disso.
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