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Viralizou o trecho de um texto em que a autora, uma jornalista, admitia com total naturalidade que sim, Alexandre de Moraes vem cometendo abusos há anos, indo “além de suas atribuições em vários momentos”, nas palavras dela própria, mas que estava “tudo bem”, pois seria por uma “boa causa”, o tal combate ao suposto golpismo de Bolsonaro.
Afirmar que o STF tenha cometido excessos é uma obviedade – embora boa parte da imprensa e dos jornalistas ainda relute em admitir. As violações do STF e de seus ministros são tão cristalinas quanto água de fonte – só não enxerga quem já foi cegado pela ideologia burra que hoje infesta o país ou quem deliberadamente faz vista grossa. E esse último, acredito eu, talvez seja o mais nocivo: um cúmplice direto do que culminou na deterioração do Estado de Direito no Brasil.
Um abuso, uma arbitrariedade, uma violação do devido processo legal são desastrosos em si mesmos, independentemente de quem os sofre, quem os aplica ou como são justificados. Há coisas que jamais podem ser admitidas, questões para as quais ninguém pode dizer 'tudo bem'
É cúmplice quem, entendendo perfeitamente o que estava acontecendo com o país – como boa parte da imprensa, jornalistas, políticos e instituições –, vendo o STF se autotransformar no Poder Supremo, que tudo faz, em tudo se intromete, espezinha críticos e empurra o Brasil para onde quiser, preferiu ficar quieto ou, pior ainda, resolveu aplaudir abusos e incensar ministros.
É cúmplice, enfim, quem disse que “tudo bem” ministros da corte irem além de suas atribuições porque seria por “uma boa causa”. Não existe boa causa que justifique abuso – e, aliás, nem havia causa alguma: a tese do suposto golpe de Estado é tão fraca, tão vazia de provas, tão mirabolantemente e preguiçosamente estúpida que parece até roteiro de comédia de baixo orçamento da Netflix.
Com uma naturalidade que assusta, a mesma jornalista que diz “tudo bem” aos excessos de Moraes no 8 de janeiro aponta o que ela chama de “máculas” no processo: as inúmeras prisões preventivas por meses sem acusação formal, as manobras jurídicas para tirar os julgamentos do plenário do STF e a morte de Clezão na cadeia – algo muito mais que uma “mácula”; uma atrocidade.
Já comentei sobre os perigos de se deixar levar pelo “os fins justificam os meios”. Aceitar ou apoiar que um poder ultrapasse seus limites, que ministros da mais alta corte do país simplesmente deixem de lado o devido processo legal porque supostamente agem por uma “boa causa”, é das atitudes mais estúpidas que alguém pode tomar. Mas, quando a ideologia e o ódio tomam conta – o fígado no lugar do cérebro, como diria Polzonoff –, ninguém vê problema nisso.
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Por isso, a jornalista acha normal bater palmas para a atuação do STF contra o suposto golpismo bolsonarista e acredita que tudo vale para colocar Bolsonaro e os envolvidos no 8 de janeiro na cadeia. Ainda assim, critica outros pontos da corte, como as relações dos ministros com o Banco Master – algo que certamente exigiria apuração, mas que, no Brasil de hoje, provavelmente não dará em nada – ou o fato de “os supremos magistrados terem, aos poucos, derrubado os controles para se tornar intocáveis” e que “mais comedimento seria muito bem-vindo”.
É esse tipo de atitude seletiva, seja de jornalistas ou de qualquer pessoa, diante de arbítrios que deixa nosso país cada vez mais longe de um Estado de Direito. Um abuso, uma arbitrariedade, uma violação do devido processo legal são desastrosos em si mesmos, independentemente de quem os sofre, quem os aplica ou como são justificados. Há coisas que jamais podem ser admitidas, para as quais ninguém pode dizer “tudo bem”.




