Para quem acompanha o tema há anos, dizer que Lula e o PT são defensores da legalização do aborto no Brasil é de uma obviedade tão gritante que custa certo esforço motivar-se a retomar o assunto. É como afirmar que a grama é verde, o fogo queima ou qualquer outra verdade cuja constatação até uma criança de dois anos é capaz de fazer. O oceano de evidências é vasto demais, ao ponto de tornar o vídeo de Lula admitindo a posição abortista, com sinceridade atípica para um ano eleitoral, apenas a prova mais recente, não a mais concreta.
Quando o TSE decidiu proibir a veiculação daquele vídeo por parte da campanha de Bolsonaro, certamente sabia que seu poder de editar a história ainda não é tão eficaz para eliminar a existência de tantos documentos, discursos e uma infinidade de outras formas de conteúdo que explicitam a paixão do PT pela pauta legalização do aborto. Mesmo assim, o tribunal atendeu ao pedido petista e preparou o terreno para Lula passar a dizer - nas duas últimas semanas antes do segundo turno - o exato oposto do que disse durante toda sua vida partidária, alegando, agora, que é “contra o aborto”. Claro que se trata de uma mentira cínica, e duvido que cole, mas não precisamos rebatê-la só com declarações do passado – aquelas que o TSE ainda não percebeu que estão disponíveis na internet. Temos fatos bem documentados e uma porção de vítimas que o PT fez ao longo de sua história por causa dessa obsessão.
Entre os perseguidos está Luiz Bassuma, ex-deputado federal pelo PT da Bahia. Bassuma faz parte de uma geração de pessoas de bem que ingressou no PT décadas atrás, motivados pela defesa dos mais pobres, de justiça social e de combate à corrupção. Conforme o tempo do PT no poder passava, cada um desses itens virou pó, mas muitos se surpreenderam mesmo foi com o radicalismo adotado pela sigla ao abraçar oficialmente pautas cada vez mais ideologicamente extravagantes. O caso de Bassuma é emblemático, pois explodiu durante a tentativa mais agressiva de legalização do aborto já executada no Brasil até hoje, em 2005, durante o primeiro mandato de Lula na presidência da República, liderada pelos representantes do governo petista dentro do Câmara dos Deputados, com pleno aval do então presidente.
Bassuma contou a história numa entrevista concedida a mim em 2013, por ocasião do lançamento do documentário Blood Money – Aborto Legalizado, que chegava aos cinemas brasileiros. Ciente do enorme risco que o país corre nesse segundo turno das eleições, ele gravou um novo vídeo que viralizou nas redes sociais, resumindo o martírio pelo qual o PT o obrigou a passar por conta de suas convicções pró-vida.
Reproduzo abaixo um trecho daquela conversa, o vídeo do ex-deputado e convido o leitor a manter o foco não tanto no que Lula diz, mas no que ele e o PT realmente fizeram para legalizar o aborto enquanto estiveram no poder. Se vencerem no dia 30, eles farão tudo de novo, só que dessa vez com tempero de vingança e um judiciário mais dócil à sua vontade:
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Em 2009 você foi protagonista de um caso emblemático envolvendo sua postura pró-vida e a rejeição do seu partido na época, o PT. Você chegou a ser punido. Como e por que aconteceu?
Para explicar isso, é preciso voltar lá para o ano de 2005, quando o projeto de lei 1135/91 feito pelo PT, tendo como um dos principais autores o deputado José Genoino, foi resgatado. Era um projeto que legalizava o aborto completamente, nos moldes do que ocorria nos Estados Unidos.
O projeto estava parado há quinze anos no Congresso, mas então o PT assumiu o governo, e eu, como deputado federal pelo PT, acompanhei toda a estratégia montada para a aprovação daquele projeto. Naquela ocasião, todas as esferas do governo eram favoráveis à legalização. Não apenas o presidente da república, que era o Lula, mas os parlamentares que estavam à frente das comissões por onde o projeto iria tramitar eram a favor, assim como o presidente da Câmara. Eles construíram tudo aquilo e o projeto ia tramitar em regime de urgência urgentíssima.
Foi então que eu mergulhei de cabeça no que estava acontecendo e o projeto acabou não passando na Comissão de Seguridade Social pela diferença de um voto. Isso só ocorreu porque eu denunciei qual foi o voto dos parlamentares do PT, do meu partido, nas suas bases eleitorais. Aquilo gerou um incômodo grande. Como resultado, os abortistas perderam sua maior oportunidade de legalizar o aborto em toda a história, via Congresso Nacional.
O processo contra mim começou aí. Foram quatro anos de desgaste e terminou com uma tentativa do PT de me expulsar em 2009, mas não conseguiram. Naquela época, para expulsar um deputado por questões ideológicas, como era o meu caso, era preciso ter dois terços dos votos da direção nacional, só que eles conseguiram apenas maioria simples.
Mesmo assim veio a pena mais grave depois da expulsão, que era suspensão de todas as minhas atividades parlamentares por um ano. Eu não podia fazer projeto de lei, nem podia fazer uso da tribuna. Eu só poderia receber meu salário no fim do mês e mais nada. Isso é pior do que ser expulso. E foi então que eu saí do PT.
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