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José Fucs

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Cenário

O efeito da megaoperação do Rio nas eleições de 2026

Lula adota tom cauteleso e evita embate direto com governador do Rio. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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No roteiro idílico idealizado pelo PT e por seus aliados, estava tudo muito bem encaminhado: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seguiria com a concessão de benesses sem lastro à população de baixa renda, continuaria a se recuperar nas pesquisas de popularidade e pavimentaria a sua reeleição em 2026, dada como favas contadas por boa parte de sua claque.

Mas eis que, de repente, com a megaoperação policial deflagrada na semana passada contra o Comando Vermelho (CV) pelo governo do Rio de Janeiro, a questão da segurança pública ganhou os holofotes, alterando de forma significativa o cenário dos sonhos imaginado por Lula, pelo PT e por seus satélites para a disputa eleitoral do ano que vem.

Se há um tema do qual os caciques e a militância petistas costumam fugir como quem foge da cruz, é a segurança pública – uma área tradicionalmente desconfortável, para dizer o mínimo, para o PT e para a esquerda de forma geral. E tudo o que eles não queriam era que a questão, em geral uma bandeira da direita, passasse a pautar o debate nacional e se tornasse um tema central da campanha. Ainda mais num contexto em que a afirmação de Lula, de que “os traficantes são vítimas dos usuários”, feita apenas uma semana antes da ação policial no Rio, já havia gerado estragos que serão difíceis de superar, apesar dos esforços do Palácio do Planalto para tentar deixar o assunto para trás.

Embora apareça no topo da lista das preocupações da população, atingida pela criminalidade crescente que assola o país, a segurança pública nunca foi uma prioridade para a esquerda. Ao tratá-la como uma “questão social”, decorrente da “desigualdade” existente no país, e não como uma chaga que atinge toda a sociedade e exige ações enérgicas do poder público para enfrentá-la, a esquerda acaba deixando o campo aberto na área para a oposição “nadar de braçada”, como se diz por aí.

Tudo indica que a segurança pública será um tema central na campanha de 2026, com potencial para mudar o jogo eleitoral que se desenhava até agora. E, no debate sobre a questão da segurança, Lula, o PT e os seus satélites já saem com 'dois corpos atrás', como se diz no jargão do turfe

Pego de surpresa pela operação contra o CV no Rio, embora a Polícia Federal tenha sido informada com antecedência sobre a sua realização e optado por ficar fora dela, Lula demorou a se posicionar em relação aos acontecimentos. Oficialmente, o governo deu uma desculpa esfarrapada, alegando que o avião presidencial estava sem internet na volta de sua viagem à Ásia, impedindo-o de acompanhar o caso durante o percurso. Mas, depois dos danos causados à sua imagem pela vitimização dos traficantes, o mais provável é que Lula tenha procurado ganhar tempo antes de se pronunciar sobre o caso, ciente de que qualquer novo escorregão ao tratar da segurança pública poderia cristalizar, de forma irreversível, a percepção de sua conivência com a bandidagem, fornecendo munição pesada para a oposição explorar na campanha.

Depois, já informado sobre o amplo apoio da população à operação realizada no Rio, atestado por diversas pesquisas sobre o tema, Lula procurou agir com certa cautela e mostrar que o governo está agindo para enfrentar o crime organizado e os criminosos. Defendeu a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Segurança Pública, enviada recentemente ao Congresso, que propõe a centralização das políticas do setor em Brasília e desidrata o poder dos governadores de ditar as ações na área, como reza a Carta de 1988. E anunciou o envio de um “projeto de lei antifacção” ao Legislativo, elaborado “a toque de caixa”, para sinalizar uma preocupação que ele nunca teve com a questão.

Empenhado em ganhar protagonismo na área, Lula procurou se apresentar como contraponto ao chamado “Consórcio da Paz”, criado pelos governadores de direita que foram ao Rio logo depois da operação realizada nos complexos do Alemão e da Penha, para manifestar o seu apoio ao governador fluminense Cláudio Castro – transformado em “vidraça” pela esquerda – e dar à questão da segurança pública a relevância que merece.

“Nós vamos mostrar como é que se enfrenta as facções nesse país”, disse o presidente, como se o PT tivesse chegado agora ao poder e não tivesse ocupado o Planalto por quase vinte anos desde 2003 – justamente no período em que organizações como o CV e o PCC (Primeiro Comando da Capital), que ele e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, se recusam a classificar como “terroristas”, passaram a dominar territórios cada vez mais amplos nas principais cidades brasileiras e a expandir seus tentáculos no exterior.

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Só que, enquanto Lula tentava mostrar que não faz parte da turma da “bandidolatria”, seus próprios representantes e apoiadores no Legislativo e no Judiciário não deixavam margem a dúvidas quanto aos reais pendores da esquerda na questão da segurança, desmascarando a armação montada da noite para o dia pelo Planalto e por seus marqueteiros de plantão, para tentar tirar o presidente do corner em que se encontrava – como se fala no boxe.

Mesmo contra as evidências de que a operação no Rio foi bem planejada e bem-sucedida, ao ter evitado baixas entre os membros das comunidades, e de que a morte de 117 integrantes do CV e de quatro policiais na ocasião, segundo as informações oficiais mais recentes, deveu-se à violenta reação da facção contra as forças de segurança, a esquerda procurou rotulá-la, com o apoio de boa parte da imprensa, como uma “chacina” promovida a sangue-frio pela polícia. Alguns chegaram a compará-la, sem enrubescer, ao Massacre do Carandiru, na Casa de Detenção de São Paulo, no qual morreram 111 detentos, em 1992.

“Nenhuma operação que deixa mais de 120 mortos é um sucesso” foi o mantra da tropa de choque do PT e de seus aliados. Até de “eleitoreira” a operação realizada no Rio foi chamada pelo grupo, para tentar desvirtuar os seus objetivos e jogar a opinião pública contra o governador Cláudio Castro e os seus apoiadores.

Apesar de dezenas de corpos terem sido movidos dos locais em que se encontravam e colocados lado a lado, de cueca, em praça pública – depois de as roupas camufladas usadas pelos criminosos terem sido retiradas na calada da noite –, a cena foi usada pela esquerda para demonstrar uma suposta carnificina executada pela polícia. O mesmo aconteceu com um bandido morto que apareceu decapitado, ato que a polícia alega ter sido cometido por seus próprios comparsas, também com a intenção de gerar críticas da população de bem contra as forças de segurança, sempre colocadas na posição de vilã pela turma da gauche.

O deputado federal Guilherme Boulos, recém-promovido por Lula a ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, chegou a pedir um minuto de silêncio em homenagem aos mortos em sua cerimônia de posse no cargo, realizada um dia depois da operação do Rio. No dia seguinte, num clima de velório que reforçava a narrativa de “chacina”, as ministras Anielle Franco, da Igualdade Racial, e Macaé Evaristo, dos Direitos Humanos, foram aos complexos da Penha e do Alemão, acompanhadas das deputadas Benedita da Silva e Reimont, do PT, Jandira Feghali, do PCdoB, e Talíria Petrone, do PSOL, todos do Rio de Janeiro. No último fim de semana, o PT e o PSOL promoveram até manifestações em São Paulo contra a operação policial do Rio.

“É possível combater o crime sem dar um tiro”, declarou Jandira Feghali, que se diz orgulhosa de ser “comunista”, como se fosse possível enfrentar com luvas de pelica facções criminosas armadas até os dentes, como o CV, que recebeu as forças de segurança a tiros de fuzil e bombas lançadas com drones.

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Num exemplo emblemático de como esse pessoal encara a bandidagem, a vereadora de Porto Alegre Karen Santos, do PSOL, afirmou em discurso na tribuna da Câmara Municipal que os bandidos que fazem a movimentação das drogas seriam “trabalhadores megaexplorados, sem direito algum”. Ela também lamentou as críticas feitas a quem atua no tráfico “para aumentar os seus rendimentos”.

Numa outra frente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, procurou tratar o problema do crime organizado como uma questão eminentemente financeira, minimizando o papel desempenhado pelo “chão de fábrica” das facções nas favelas e fazendo eco à afirmação de Lula de que o CV é “uma grande quadrilha envolvida em lavagem de dinheiro”.

Na visão de Haddad, que reflete a embolorada ideologia marxista da “luta de classes” que pauta o PT e os seus satélites, é na Faria Lima, centro financeiro de São Paulo e do país, que estariam os principais responsáveis pelo planejamento e pelo financiamento do crime organizado – e onde o governo deveria concentrar os seus esforços.

De acordo com o ministro, os “cabeças” do crime organizado “não vivem em comunidades como os complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, e sim de frente para a praia”. Para ele, os chefes do narcotráfico “estão morando em Miami, morando em Portugal, morando em outro canto”.

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Como costumava acontecer nesses casos, não houve, obviamente, qualquer manifestação de solidariedade da esquerda relacionada às famílias dos quatro policiais mortos pelos criminosos. Nem para os familiares de Bárbara Elisa Yabeta Borges, de 28 anos, que foi morta quando seguia de Uber pela Linha Amarela, uma das principais vias expressas do Rio, ao ser atingida por uma bala na cabeça durante uma guerra de facções nos morros vizinhos.

É como afirmou em publicação no X a advogada Janaína Paschoal, vereadora paulistana pelo PP e ex-deputada estadual em São Paulo: “O povo não é trouxa” (de cair nessa lorota de Lula) “de tentar passar a sensação de que quer combater o crime”, ao mesmo tempo em que, segundo ela, “todos os seus auxiliares diretos e parlamentares da base do governo estão nas redes sociais e nas tribunas gritando que Cláudio Castro seria criminoso, dentre outras bravatas”.

Depois de quase cinco mandatos “passando pano” para bandido e das reações de sua tropa de choque contra a operação das forças de segurança no Rio, não será com medidas de última hora e ações de marketing político que Lula conseguirá mudar a percepção de que ele e o PT defendem os “direitos humanos” da bandidagem e mostrar que, agora, ele está preocupado com o problema do crime organizado e com a criminalidade.

Em vez de soltar criminosos recorrentes nas tais audiências de custódia e de se preocupar com o desencarceramento, a “pena justa”, as “saidinhas” e as visitas íntimas para a bandidagem – defendidas pela esquerda, incluindo integrantes das mais altas Cortes do país –, o que a população quer é uma ação vigorosa contra a criminalidade, como a realizada no Rio, uma preocupação genuína com as suas vítimas e a punição exemplar dos criminosos.

Diante da reação dos “companheiros” contra a operação policial realizada pelo governador Cláudio Castro e da afirmação de Lula de que “os traficantes são vítimas”, tudo indica que a segurança pública será um tema central na campanha de 2026, com potencial para mudar o jogo eleitoral que se desenhava até agora. E, no debate sobre a questão da segurança, Lula, o PT e os seus satélites já saem com “dois corpos atrás”, como se diz no jargão do turfe.

Como a gente está cansado de saber, a vida real é pródiga em derrubar – ou superar – expectativas, acrescentando ingredientes imprevistos aos acontecimentos que podem levar a resultados bem diferentes daqueles imaginados a princípio. Na campanha do ano que vem, a questão da segurança pública tem tudo para ser esse ponto de inflexão.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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