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José Pio Martins

José Pio Martins

Administração

Desintermediação comercial e estatal

Imagem ilustrativa. (Foto: Tumisu/Pixabay)

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Pense no que é uma livraria hoje e no que era antes do ano 2000. Sem internet, sem telefonia celular e com computadores pessoais limitados, a livraria era um lugar aonde as pessoas iam para olhar, observar, conversar e ter o prazer de sair dali com um livro ou mais (ou nenhum).

Chegamos ao ano 2020: pandemia, isolamento social, internet rápida, telefones celulares que são verdadeiros computadores, vídeos e redes sociais, grandes redes de vendas on-line e a facilidade de comprar um livro, pagar no cartão de crédito e receber o pacote em casa, de forma rápida, segura e... mais barata.

Atualmente, a compra de um livro físico nas lojas on-line, como a Amazon e outras, tornou-se um ato fácil, rápido e sem contato pessoal. Nem mesmo com pessoas da loja on-line o cliente conversa, pois tudo é feito por máquinas e robôs. A operação se completa sem interação humana.

Como virtude, a compra on-line é confortável, eficiente, e não raro o produto é negociado a um preço inferior ao preço da loja física. É comum, por exemplo, que um livro seja vendido na loja on-line por R$ 40 enquanto, na livraria física, custa 50% mais caro. A diferença é substancial.

Na operação on-line, duas estruturas intermediárias – o comércio de atacado e o comércio de varejo – são eliminadas e os produtos ficam mais baratos

Mas que fatores viabilizam preços tão menores na loja on-line? A resposta está em uma palavra: desintermediação. A razão é fácil de entender. Na livraria física, entre o fabricante (a editora) e o consumidor (o leitor), há duas estruturas comerciais intermediárias: o comércio de atacado e o comércio varejista.

Até a virada do milênio, o fluxo comercial completo era composto de quatro agentes: o fabricante, a distribuidora atacadista, a loja varejista e o consumidor. As milhares de livrarias do país, como terceiro agente, recebiam a mercadoria, estocavam-na em pequenas quantidades por título, e ali era onde o consumidor acorria para adquirir o produto.

Imagine essas estruturas todas com seus investimentos em prédios, máquinas, equipamentos, móveis, empregados, gastos de estocagem, impostos, conservação e outros. No exemplo citado, o preço de R$ 60 do livro na loja física não é obra do acaso: é o preço capaz de remunerar os custos do fabricante, do atacadista e do varejista, seus riscos e os lucros.

Na operação on-line, você faz a compra do livro por meio de seu smartphone, paga no cartão de crédito e o produto sai diretamente da fábrica para sua casa. Nessa operação, as duas estruturas intermediárias – o comércio de atacado e o comércio de varejo – são eliminadas; o preço pode cair para R$ 40 e ser suficiente para remunerar o fabricante e a loja on-line.

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Não tenhamos ilusões: o processo de desintermediação, que se manifestou no mundo das livrarias, vai continuar eliminando estruturas intermediárias, no atacado e no varejo. Vejamos o caso das farmácias.

Pense em alguém que consome diariamente um comprimido contra a pressão alta. Por se tratar de consumo regular diário e na mesma quantidade, o laboratório fabricante pode fazer a venda on-line e, no primeiro dia de cada mês, entregar uma caixa com 30 comprimidos na casa do consumidor. A tendência é que isso aconteça – para medicamentos, é ainda mais simples, pois o comprador de livros ora compra, ora não compra e, quando compra, muda de títulos e de editora. Já o consumidor de um medicamento é regular: o produto é o mesmo e na mesma quantidade. Com isso, a quantidade de farmácias pelas cidades será reduzida.

Mas a coisa não para por aí. Se o imperativo de mercado e a busca de produzir o máximo com o mínimo de custos avançarem, cabe perguntar: e a desintermediação no setor estatal? Na esfera pública e política, há dois desafios: limitar os poderes do governo e reduzir o custo da máquina pública e dos serviços que ela presta.

É de conhecimento amplo que o custo das obras e dos serviços públicos é elevado, o que torna a economia geral menos eficiente, principalmente dado o grande tamanho do governo. Sobre este ponto, há uma interessante passagem. O Plano de Ação de Governo (PAG) de 1987, feito pelo ministro do Planejamento Anibal Teixeira, trata do programa de distribuição de leite implantado no governo Sarney, no qual consta que, para dar um litro de leite aos pobres, o governo gastava o equivalente a quatro litros na burocracia administrativa.

Na esfera pública e política, há dois desafios: limitar os poderes do governo e reduzir o custo da máquina pública e dos serviços que ela presta

Assim, a lógica da desintermediação nos negócios privados cabe também para as ações de governo, como meio para conseguir uma grande vantagem social: aumentar as obras e os serviços públicos com menor custo por unidade e sem elevar os tributos sobre a população.

Há pouco tempo, as chuvas destruíram uma ponte no interior do Rio Grande do Sul e a população, desesperada com a demora do governo, resolveu construir uma ponte nova por conta própria, que acabou custando menos que um terço do custo previsto pelo orçamento governamental.

A montanha de dinheiro arrecadado em tributos pelo setor estatal poderia oferecer mais serviços e mais investimentos à população se a administração pública incorporasse as inovações e os novos processos gerenciais no campo da desintermediação operacional.

As compras on-line e o processo de execução de suas operações comerciais irão atingir outros produtos e mudarão a forma como as operações financeiras, trabalhistas e jurídicas serão executadas.  

Nesse cenário, convém prestar atenção à advertência feita pelo visionário Buckminster Fuller (1895-1983), inventor, futurista, arquiteto e escritor: “você não pode desviar-se de coisas que não vê movendo em sua direção”. Logo, o melhor que temos a fazer é estudar e entender as mudanças, e a elas nos adaptarmos.

(Esta coluna foi escrita em colaboração com José Ernesto Marino, empresário, professor e livre-pensador.)

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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