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José Pio Martins

José Pio Martins

Comportamento

Entre a vontade e a razão

Arthur Schopenhauer
O filósofo Arthur Schopenhauer, em fotografia de 1859. (Foto: Johann Schäfer/Wikimedia Commons/Domínio público)

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O homem é o único animal que sabe que vai morrer. Os outros animais não têm consciência da morte. Ao dizer essas verdades, o filósofo Sócrates (469 a.C.-399 a.C.) propôs a mais importante pergunta da filosofia: Como viver?

Essa pergunta é endereçada ao ser humano, o único que vive e age sob os imperativos da consciência, da razão, da moral e da religião. Adicionalmente, as ações humanas nos vários campos da vida estão submetidas ao estado emocional e às condições mentais do ser.

Sobre os fatores que ditam o comportamento humano, Imannuel Kant (1724-1804) afirmou que nossas decisões e ações são determinadas por uma central de comando no cérebro movida pela inteligência e pela razão.

Arthur Schopenhauer (1788-1860) discordou de Kant, e disse que a inteligência e a razão têm seu papel e seu efeito, mas que a causa maior dos atos humanos é a vontade, definida por ele como um impulso biológico que vem de dentro de nós e constitui a força maior na determinação do que fazemos.

As ações humanas nos vários campos da vida estão submetidas ao estado emocional e às condições mentais do ser

Schopenhauer disse que a vontade nos impõe o ciclo de desejar, obter, saciar o desejo, entediar-se e repetir o ciclo indefinidamente. Para ele, tão logo um desejo é saciado, vem o tédio e surge outro desejo... e mais outro, e assim segue a roda da vida.  

Nesse processo, Schopenhauer diz que o sofrimento é uma constante e a felicidade vem quando a vontade é satisfeita. Mas para ele a felicidade se esvai e a vontade retorna. Para esse ciclo, o filósofo deu uma definição interessante: “Sofrimento é a luta para vencer o obstáculo que fica entre a vontade e a meta; felicidade é atingir a meta”.

Para si próprio, Schopenhauer estabeleceu como meta de vida desejar o menos possível, saber o mais possível, como caminho para buscar a felicidade na arte de ser alguém, não na ação de ter coisas.

Na pesquisa científica, há o sujeito observador e o objeto observado. Naquelas ciências em que o objeto observado é o ser humano, o sujeito observador é também objeto, conquanto seja possível que o objeto de uma pesquisa seja apenas um ser humano específico.

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Schopenhauer tratava a si mesmo como objeto de observação. E ele se perguntava: “Por que tenho as vontades que tenho?” Seu pai, um próspero comerciante, deixou-lhe um negócio como herança, após haver treinado o filho nas atividades administrativas e de contabilidade.

Schopenhauer cedo se desencantou e, como filho único, vendeu o negócio, tornou-se financeiramente independente e dedicou sua a vida a estudar e escrever, vindo a ser um dos mais geniais e controvertidos filósofos.

Ao estudar a vontade, como esse impulso biológico que vem de dentro de nós e nos domina, Schopenhauer se perguntava como se formavam as emoções e os sentimentos mais profundos da mente humana.

Schopenhauer tratava a si mesmo como objeto de observação. E ele se perguntava: “Por que tenho as vontades que tenho?”

A reflexão do filósofo incluía a tentativa de entender seu pai, homem sério e trabalhador, que ao que tudo indica morreu por suicídio. O filósofo também tentava entender por que a relação com sua mãe, uma escritora de renome, era tão conflitiva, fria e distante.

O importante é que podemos aprender muito com a filosofia de Schopenhauer e também com sua história e sua condição de ser humano e filho, ele que era alguém complexo e eivado de dissabor e sofrimento.

Uma questão que permeia nossas decisões, ações e vontades é o funcionamento de nossa mente. Por exemplo, por que o ser humano tem depressão? Como a depressão destrói o ser humano a ponto de muitos tirarem a própria vida? Qual a relação entre a depressão e a vontade? A rigor, como se forma a vontade?

A ação humana é dirigida pela inteligência e pela razão, conforme disse Kant, ou pela vontade, como disse Schopenhauer?

Andei pensando nesse assunto após ver um documentário sobre Theodore Robert Bundy, conhecido por Ted Bundy. Ele nasceu em 1946 e foi executado em 1989, no estado da Flórida, Estados Unidos, por ter sequestrado, torturado e estuprado pelo menos 30 mulheres, segundo ele confessou. A polícia acreditava que o número de vítimas era maior.

Bundy era visto como bonito, carismático, parecia totalmente normal, e era muito inteligente, tanto que ele foi seu próprio defensor no tribunal, já que ele era formado em Direito e surpreendia por seus conhecimentos.

Além dessas características, ele tinha uma mania própria das mentes mais insanas que podemos conhecer: ele chegou a decapitar pelo menos 12 vítimas e manteve algumas das cabeças em seu apartamento como lembrança. Como uma pessoa tão monstruosa pode parecer normal? Que distúrbio há na mente de um monstro como esse? Pensando nisso, retorno a Kant e Schopenhauer. Será que nos é dado conhecer o que motiva o ser humano? A ação humana é dirigida pela inteligência e pela razão, conforme disse Kant, ou pela vontade, como disse Schopenhauer? Sinceramente, não sei. Para mim, o tema continua aberto.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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