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Flávio Dino
O ministro do STF, Flávio Dino| Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O Brasil vive neste momento uma das discussões mais desconexas que já teve em sua história republicana. Não é, obviamente, um debate que envolve a participação da imensa maioria dos brasileiros – esses estão trabalhando para sobreviver nas próximas 24 horas e não podem perder o seu tempo com conversa que não entendem, não levam a sério e não lhes interessa. Mas os comunicadores e as classes que não produzem estão vidrados com mais uma de suas disputas metafísicas sobre quantos quilômetros quadrados tem o universo, ou coisa parecida. É uma excelente oportunidade, como sempre, para fingir que os fatos não existem.

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Poucas realidades estão provadas com tanta clareza, no Brasil de hoje, quanto a obra de demolição das leis, da Constituição Federal e da ordem democrática que é feita em tempo real pelo STF. São, literalmente, centenas de violações diretas da legalidade ao longo dos últimos cinco anos. É um golpe de Estado virtual, e talvez sem precedentes: um sistema focado em legalizar a corrupção e em promover facções políticas se serve da lei para impor ao país um regime ilegal. Mas o debate que agita os formadores de opinião pergunta, a essa altura do segundo tempo, se o STF seria mesmo um defensor da Constituição – ou se estaria cometendo exageros naquilo que chamam de “zelo democrático”.

A ordem de Dino é um ataque direto a uma das disposições mais básicas de qualquer Estado democrático, a que assegura a independência entre os poderes. Não tem nada a ver com “interpretação”, nem com a trapaça de que o Supremo pode “interpretar” a Constituição

É lançar um facho de escuridão sobre uma realidade conhecida pela observação elementar de fatos que são de pleno conhecimento público. Esses fatos mostram, objetivamente, que o STF é hoje o maior agressor da Constituição no Brasil – além do principal fator de agitação política e da insegurança jurídica que está levando o Brasil a um estado de banditismo legal. Como assim – por que estão com dúvidas sobre o que o Supremo está realmente fazendo? A pergunta ofende. É como indagar se 2 + 2 são 4, ou se são 44.

É especialmente cômico, dentro dessa tragédia de circo, que o último surto de debates sobre a pureza do tribunal tenha coincidido com mais uma violação selvagem da Constituição brasileira – a ordem do ministro Flávio Dino mandando o deputado Marcel van Hattem ir a uma delegacia da Polícia Federal para depor sobre um discurso que fez na tribuna da Câmara. A única dúvida possível, aí, é se o ministro Dino quis mostrar que pode violar a lei impunemente, ou se está fazendo uma provocação aberta.

O deputado Van Hattem, assim como todos os seus 512 colegas de Câmara, simplesmente não pode ser chamado à Polícia Federal. Isso não é uma opinião – é o que diz a lei. A ordem de Dino é um ataque direto a uma das disposições mais básicas de qualquer Estado democrático, a que assegura a independência entre os poderes. Não tem nada a ver com “interpretação”, nem com a trapaça de que o Supremo pode “interpretar” a Constituição. É simplesmente uma ofensa frontal ao artigo 53 da Constituição. Está escrito ali – e qualquer um pode entender – que “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

Flávio Dino e o STF sabem o que significa a palavra “quaisquer” escrita na Constituição: significa “todas”, sem exceção. Se as palavras do deputado Van Hattem foram ditas na tribuna da Câmara, no exercício dos seus direitos e das suas obrigações legais, a anulação da norma constitucional fica ainda mais grosseira. “Defender a democracia” é isso? O deputado está sendo perseguido porque é um dos que apoiam projetos legítimos de reforma do STF e de limitação de seus poderes. É uma retaliação ilegal, a beira do crime de responsabilidade, por parte do ministro. Fim de conversa.

Os ministros do STF têm dito quase abertamente, através de declarações anônimas que os jornalistas a seu serviço aceitam carregar para o público, que está examinando com lupa a conduta de parlamentares favoráveis às mudanças. Isso não é trabalho da principal corte de Justiça do país. É coisa de KGB. Quando o STF comete este e tantos outros delitos, qual é o sentido de perguntar se está ou não servindo à democracia? É óbvio que não está.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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