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Karina Kufa

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Tributos

Adeus, simplificação: a reforma tributária vai complicar a vida das empresas

(Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil)

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Em dezembro, ao analisar por aqui o projeto da reforma tributária então em discussão no Congresso Nacional, alertei para os riscos de uma pretensa simplificação que poderia, na prática, tornar nosso sistema tributário ainda mais complexo, além de mais oneroso. Com a sanção presidencial do texto definitivo da Lei Complementar nº 214/2025 em 16 de janeiro, os contornos dessa nova realidade começam a se delinear, confirmando muitas das preocupações que havíamos levantado.

A promessa central da reforma - a simplificação do sistema tributário - materializa-se na unificação de cinco tributos em um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual. A questão é que o perigo se esconde nos detalhes, e estes começam a emergir de forma preocupante.

A primeira evidência da dimensão do problema está na alíquota padrão do novo sistema. O texto aprovado estabeleceu inicialmente um patamar já alarmante de 26,5% - mais de 30% acima da média praticada nos países da OCDE, que é de 20%. Agora, com a sanção definitiva, a situação se agrava ainda mais: chegamos a 28% de tributação efetiva sobre o consumo, consolidando o Brasil numa posição nada invejável no ranking mundial de IVA. O resultado prático é a institucionalização de uma das maiores cargas tributárias do planeta sobre o consumo.


Como se não bastasse a expressiva elevação da carga tributária, o novo sistema traz complexidades significativas. A estrutura dual do IVA, dividida entre CBS (federal) e IBS (estadual/municipal), impõe às empresas a necessidade de lidar com dois sistemas distintos de arrecadação e fiscalização. Para grandes corporações, isso significa investimentos substanciais em adequação de sistemas e processos; para pequenas e médias empresas representa um desafio que pode comprometer sua própria viabilidade. Na prática, criou-se um sistema mais oneroso e mais complexo do que o anterior.

A questão é que o perigo se esconde nos detalhes, e estes começam a emergir de forma preocupante


Setores essenciais como educação e serviços enfrentarão impacto significativo com a nova sistemática tributária. Mesmo com a redução de 30% nas alíquotas do IBS e da CBS para estes profissionais - são dezoito categorias de profissionais liberais ao todo -, o cenário é preocupante. A título de exemplo, um serviço hoje tributado em 15% passará a suportar carga de 19,6% (resultado da aplicação do desconto de 30% sobre a alíquota padrão de 28%). Os regimes diferenciados, embora constituam uma tentativa de minimizar impactos em áreas sensíveis, não só falham em seu propósito como também adicionam camadas adicionais de complexidade ao sistema tributário.


O período de transição, que se estenderá até 2078, reflete a magnitude das mudanças propostas. Entre 2026 e 2078, a coexistência dos sistemas antigo e novo demandará atenção redobrada dos contribuintes e pode gerar significativa insegurança jurídica. As empresas precisarão navegar em um ambiente de constantes adaptações, com potenciais impactos em seus custos operacionais e competitividade.


Uma preocupação adicional surge da necessidade de um robusto sistema integrado para rastrear operações e compartilhar dados fiscais entre União, Estados e Municípios, uma vez que somente uma plataforma tecnológica altamente sofisticada seria capaz de garantir a efetividade do novo sistema tributário em um país de dimensões continentais. No entanto, esse aparato de monitoramento fiscal suscita preocupações sobre vigilância estatal e proteção de dados, pois representa um mecanismo sem precedentes de monitoramento sobre a vida econômica dos cidadãos.


Como venho alertando por aqui, a história nos ensina que, em matéria tributária, promessas de simplificação frequentemente se revelam mais complexas na prática. O texto sancionado, embora traga avanços pontuais, confirma diversas das preocupações que levantamos sobre potenciais complicadores operacionais e aumento da carga tributária.


O desafio agora será acompanhar de perto a implementação dessas mudanças, garantindo que os interesses do contribuinte sejam adequadamente protegidos nesse processo de transição. A atenção e a participação ativa da sociedade serão fundamentais para evitar que esta reforma, vendida como solução, não se torne mais um capítulo na já extensa história de complexidades do sistema tributário brasileiro.

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