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Leonardo Coutinho

Leonardo Coutinho

Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

“Opção militar”

E se os Estados Unidos tivessem invadido a Venezuela?

(Foto: Michael Reynolds/EFE)

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Essa é uma pergunta recorrente, cuja resposta é aparentemente fácil. Maduro teria caído, mas o regime não. As pessoas teimam em pensar que ditaduras são feitas por uma pessoa apenas. Trata-se de um engano que ainda persiste, inclusive entre os opositores venezuelanos que acham que basta se livrar de Maduro para a Venezuela retomar os caminhos da democracia.

Voltando à pergunta do título. E se os Estados Unidos tivessem invadido a Venezuela?

Em agosto de 2017, o então presidente Donald Trump disse publicamente que os Estados Unidos tinham “muitas opções para a Venezuela, incluindo uma possível opção militar se for necessário”. Muita gente levou a sério imaginando tropas americanas desembarcando pelo mar, vindo pelo céu e marchando por Caracas. Uma miragem retrô que animou os ânimos dos opositores e gerou calafrios em alguns chavistas.

No recém-lançado At War with Ourselves (Em guerra com nós mesmos), o general H. R. McMaster, que foi conselheiro de Segurança Nacional do ex-presidente Trump, conta o contexto em que a frase foi dita. O então presidente, que estava descansando em uma de suas propriedades na Flórida, falou com os jornalistas logo após uma reunião com o general McMaster, o então secretário de Estado dos Estados Unidos Rex Tillerson e a embaixadora na ONU, Nikki Haley. A frase, solta ao vento e que causou um rebuliço, foi nada mais nada menos que um efeito colateral da mente de Donald Trump.

McMaster, relembra em seu livro, que minutos antes de Trump falar da “opção militar”, o secretário Tillerson havia pedido para que o presidente justamente evitasse falar sobre qualquer “opção militar” sobre a Venezuela. E Trump, sendo Trump, fez exatamente o contrário e a primeira coisa que disse foi exatamente o contrário.

Fora o barulho e a fumaça, como bem sabemos, não deu em nada. O tema Venezuela desaparece do livro, mostrando como a administração Trump, embora tenha colocado o regime de Maduro no topo de suas prioridades para América Latina, não tinha muito a fazer.

Em janeiro de 2019, tudo parecia concorrer para a concretização da tal “opção militar”. Maduro havia sido considerado ilegítimo por todas as democracias do planeta. O deputado Juan Guaidó emergia como alternativa constitucional, sendo apontado como presidente encarregado diante de um presidente usurpador. Parecia tudo perfeito. Mas qual era a realidade?

A Venezuela se tornou um país sob dois presidentes e duas interpretações da Constituição. Maduro era o presidente de fato (com todas os poderes e prerrogativas internas), enquanto Guaidó era o presidente de direito (sem nada, além da legitimidade no exterior) ele acreditava que tinha um nível de apoio que ia além da simpatia e dos tapinhas nas costas que recebia de dezenas de presidentes.

Mesmo assim, parecia tudo pronto para a guerra. Os venezuelanos acreditavam que o recém-empossado Jair Bolsonaro se juntaria ao vizinho Iván Duque e com o suporte de Trump libertariam a Venezuela. Delegações de venezuelanos peregrinavam por Brasília, Bogotá e Washington, D. C. para empurrar o tema.

Naqueles mesmos primeiros meses de 2019, Trump voltou a falar novamente da opção militar. Todos voltaram a acreditar nisso.

Mas, o que teria acontecido se os Estados Unidos tivessem de fato invadido a Venezuela?

Como já disse no início da coluna, o regime não se resume a Maduro. A Venezuela se transformou em um Estado criminalizado controlado por máfias e apoiado por potências extrarregionais que manejam a tragédia venezuelana como instrumento de geração de instabilidade regional (imigração, tráfico, violência e miséria).

Uma invasão da Venezuela seria muito diferente do que o mundo assistiu no Panamá, em 1989. Além de uma inevitável reação violenta, que descambaria para um conflito que arruinaria ainda mais o país, havia o risco de contaminação regional, com o agravamento da crise migratória e a potencial entrada de atores como Rússia e Irã, criando uma versão latino-americana da Síria. Exagero?

Uma invasão dos Estados Unidos na Venezuela seria quase uma autorização para a China invadir Taiwan e para a Rússia seguir pegando para si o que bem entender em suas franjas

O mundo mudou e não há “opções militares” fáceis, além, é claro, do discurso político.

Estamos em 2024 e, novamente, muita gente na Venezuela fala em invasão esquecendo-se da guerra. Não veem outra saída para recuperar o país que não por meio da força.

Alguns tentaram convencer os “militares” venezuelanos a se insurgir contra o regime, esquecendo-se de que os “militares” não são mais militares. Comandados como uma casta que se alimenta do tráfico de drogas, corrupção e dos privilégios próprios de quem faz parte da cúpula de um regime, eles não seguem valores ou Constituição alguma. São engrenagens que mantêm a ditadura em pleno funcionamento.

Diante da falha na conquista do apoio militar interno, os venezuelanos voltam a sonhar com tropas chegando do Norte. Para eles é duro – é perfeitamente compreensível – aceitar que Nicolás Maduro venceu. Não falo em vencer eleições ou qualquer outra coisa decente. Maduro venceu há tempos. E não há como entender isso sem perceber quando foi e por que Maduro venceu e a Venezuela perdeu.

Isso se deu com a tolerância à corrosão da democracia na Venezuela desde o primeiro mandato de Chávez, no longínquo 1999. Cada pequena ação, vista como isolada, era um passo a mais para o processo de transformação da Venezuela que hoje conhecemos.

Os diplomatas americanos, europeus e do Brasil que serviram na Venezuela nos primeiros anos do chavismo pintaram com cores de exotismo as ações paulatinas que levariam à implosão da democracia. Os telegramas que batiam em Washington que descreviam Chávez como um ser caricato e inofensivo impediram que as vacinas fossem aplicadas a tempo.

Assim como as ditaduras não são feitas por apenas uma pessoa, elas não surgem do nada. A venezuelana foi construída sob os olhos negligentes de muitos. Maduro – e tudo o que ele representa – foi forçando a porta aos poucos. E sua vitória foi construída sob a luz do sol. Agora não há guerra que conserte.

A Venezuela está perdida? Não há resposta fácil para isso. Mas não há saída simples e ela não se resume a Maduro. A Venezuela já está em guerra. Os impactos sobre sua economia, população, migração e números de violência são próprios de países em guerra. Uma outra guerra dentro da guerra, não parece um mau negócio para o regime. Talvez apenas arraste mais gente e países da região para o mesmo abismo.

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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